sexta-feira, 26 de setembro de 2008

"O dólar acabou", avalia Carlos Lessa

Claudio Leal

Terra Magazine - O pacote de US$ 700 bilhões do governo Bush é um bom caminho para combater a crise? Como o senhor analisa esse plano emergencial? 
Carlos Lessa - É preciso ter duas coisas em consideração. Primeiro, o poder norte-americano. Na história da humanidade, nunca houve uma sociedade tão poderosa quanto os Estados Unidos. É um poder militar, é um poder cultural enorme, mas a chave desse poder chama-se dólar, por uma razão muito simples: as reservas de todos os bancos centrais do mundo são lastreadas, predominantemente, em títulos do Tesouro norte-americano. Os Estados Unidos têm uma vantagem estratégica sobre qualquer outro País: o que ele emite, é dívida. Mas é a riqueza dos outros. Então, quem emite a riqueza, no caso os Estados Unidos, tem mais poder do que ter Forças Armadas.

Essa crise americana foi, na verdade, o jogo financeiro dos bancos americanos que, em última instância, debilitou profundamente o dólar. Ninguém sabe o tamanho do buraco. A informação que se tem é que são de US$ 14 trilhões as operações imobiliárias. Porém, ninguém sabe como é que isto foi, pela ginástica da alquimia financeira; derivativos em cima de derivativos - o derivativo pega um papel ruim e converte em papel bom -, derivando de tal maneira que vou dar a seguinte informação: o País mais conservador do mundo é a Suíça.

Por quê?
Do ponto de vista financeiro, é o País mais conservador do mundo. É a pátria onde os bancos são dominantes. O maior banco suíço chama-se UBS. O UBS já perdeu US$ 40 bilhões com títulos de primeira classe norte-americanos. Quarenta bilhões. Bom, o que estou querendo dizer: todos os bancos do mundo estão interligados nessa porcaria que os americanos fizeram. As perdas, ninguém sabe quais são. A esperança do governo americano, obviamente, é que colocando esses US$ 700 bilhões, pára. Por um lado, teoricamente, isso seria ótimo. O que o governo americano vai fazer é chamar para si tudo que é podre. Mas o problema é que, nessas crises, apodrece até o que é bom.

O economista Luiz Gonzaga Belluzo alertou para o risco de contaminar os bancos comerciais.
Luiz Gonzaga conhece profundamente isso. E já estão contaminados. Pra você ter uma idéia: as empresas no Brasil tomam 10% do total de crédito de empresa no exterior. Só que os bancos do exterior pararam de emprestar. Por que o Banco Central reduziu os depósitos obrigatórios dos bancos? Sabe por quê? Para tentar gerar um espaço de crédito pra essas empresas que não têm mais crédito. Quem diria que um país tupiniquim, com doutor (Henrique) Meirelles todo-poderoso, pagando os mais altos juros do mundo, que tem US$ 207 bilhões na reserva, ia ter que fazer isso?

Conciliando com o discurso de que o País não está sendo afetado?
Só 10% do crédito de empresas do Brasil vêm de fora. Agora, o UBS, o maior banco suíço, já perdeu US$ 40 bilhões. Não quero falar nada, mas quanto o Bradesco já perdeu? Quanto o Itaú já perdeu? Ninguém sabe. Eles não vão falar. Mas os bancos são encadeados uns com os outros. O Lehman Brothers era o terceiro banco em tamanho nos Estados Unidos, o maior banco de investimentos. Maravilhoso, fortíssimo e tal. Pra fechar o caixa, tirou US$ 8 bilhões do depósito do Lehman na Inglaterra. Aí o Lehman da Inglaterra não pagou seus funcionários. Quatro mil funcionários passando fome porque não receberam o salário do mês. Uma bolha dessa, quando explode, distribui fragmentos para todos os lados. Ninguém fez uma avaliação desse tamanho.

Então, como o senhor avalia...?
O que eu posso dizer é o seguinte: o tamanho do buraco é provavelmente muito maior do que foi anunciado até agora. Os bancos americanos já puseram US$ 1 trilhão.

O FMI (Fundo Monetário Internacional) estimou as perdas em US$ 1,3 trilhão.
E agora mais US$ 700 bilhões! Você já fez acampamento? Pois veja bem. Todo mundo que faz acampamento sabe que tem que abafar a fogueira. Como é que se abafa? Joga um cobertor em cima e apaga. Tira o oxigênio. Mas se você puser um cobertor menor que a fogueira, alimenta o fogo. Eles já puseram US$ 1,3 trilhão nos últimos quatro meses. E vão colocar US$ 700 bilhões. Acho que é cobertor curto. Como os bancos do mundo estão entendendo essa história? O desespero deles fazendo isso é porque a situação é muito séria. Se a situação é muito séria, não vou emprestar pra ninguém.

Noutra entrevista, o senhor já tinha alertado também para a dissociação entre consumo e a renda real de uma pessoa, com a proliferação do crédito fácil. Qual é o risco para o País?
Certo. Chamei muita atenção de que o crescimento brasileiro, nos últimos dois anos, estava em cima de uma bolha de crédito. Vender carro sem pagamento à vista. O prazo de 90 prestações é o equivalente tupiniquim à bolha imobiliária americana. Se a crise bater no Brasil, os endividados vão fazer o quê? Parar de pagar. Os bancos vão fazer o quê? Executar e ficar dono dos carros? Vão fazer o que com os carros? A crise americana está se propagando pelo mundo inteiro. É só pra isso que estou chamando a atenção. E ninguém sabe o tamanho dela. A única coisa que se sabe é o seguinte: quanto mais ela avança, maior ela fica.

O que deve ser proposto?
Só tem um jeito. A Rússia já propôs, e a França também: reunir as potências do mundo e definir um novo acordo de Bretton Woods (que estabeleceu, em 1944, as relações monetárias mundiais). O dólar acabou. Mas o problema é o seguinte: os Estados Unidos não vão deixar que o dólar acabe. Mas, objetivamente, o dólar acabou. O que os americanos vão tentar fazer é distribuir essa conta pelo mundo inteiro. Vai sobrar até para a Guatemala.

Entre as propostas do democrata Barack Obama para apoiar esse novo pacote de Bush, está a de ajudar também os proprietários de imóveis, não só os detentores de hipotecas. O que o senhor acha dessa proposta?
Isso é o jogo eleitoral que ele está fazendo. Porque os americanos nunca vão deixar, não vão estar preocupados com os proprietários de imóveis. Eles vão estar preocupados é com os bancos. O proprietário de imóvel, que se endividou, azar! Vai ter que pagar ou perde o imóvel. Agora, os bancos, não recebendo, vão ficando podres. O dólar não está nos proprietários de imóveis. O dólar está nos bancos e no Tesouro americano. Niguém está se perguntando o seguinte: se os americanos vão emitir mais US$ 700 bilhões, são mais US$ 700 bilhões de dívidas do tesouro americano. Quem é que vai comprar?

Quem o senhor sugere?
Vão tentar forçar o mundo inteiro a comprar. Vão jogar pra fora, vão jogar a crise pra fora. E o que o nosso Lula está dizendo? Que tá tudo bem, né? O que o (Guido) Mantega está dizendo? Metade do povo brasileiro é de classe média. O que é que dr. Meirelles não diz, mas faz? Continua a fazer o que sempre fez. A minha preocupação é que se tenha uma crise muito grande avançando, enquanto o governo faz um discurso que não tem nada a ver com o real.

Não há uma dimensão humana por trás disso?
As pessoas não estão... Há seis dias, estive em Juiz de Fora, pra fazer uma conferência. Lá tenho muitos amigos. Sabe qual foi a informação que eu recolhi? A cidade tem 520 mil habitantes. Sabe quantos veículos automotores estão licenciados na municipalidade de Juiz de Fora? 140 mil.

Uma proporção elevada. 
Um para menos de quatro moradores. Se você pegar essa informação para Ribeirão Preto, Campinas, cidades próximas a São Paulo, vai encontrar uma proporção maior. Menos gente por carro. Como levaram o crescimento da economia brasileira? Pelo endividamento das famílias, não pelo investimento das empresas, não pelo investimento público. A única coisa que aconteceu foi o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Quando eu fui presidente do BNDES, o Lula me pediu pra fazer a lista dos projetos prioritários para o País. Fiz uma relação muito parecida com o PAC atual. Aliás, eu acho que eles partiram da lista que nós fizemos. Trabalhamos três meses com 50 pessoas. Detalhe: neste ano, só gastaram 40% do que foi programado. Você acha que vão continuar o PAC? E aí? Você acha os juros vão subir? Posso afirmar que vão, pois é a única coisa que o dr. Meirelles sabe fazer. Como os dólares estão saindo do Brasil, Meirelles vai empurrar os juros pra cima. Os empresários vão continuar a investir? Já anunciaram que estão paralisando. A crise está entrando no Brasil.

Fonte: Terra

Comentário: o Governo (como sempre) vai negar a crise até o fim das próximas eleições. Depois das eleições (ganhas) vai declarar que nada sabia da crise e a culpa é dos outros aloprados.


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