quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Os conselhos profissionais e o engessamento do conhecimento


Solon C. de Araujo
solon@scaconsultoria.com.br

É notória a tradição cartorial brasileira. Talvez oriunda de uma época na qual nossos ancestrais ibéricos tivessem tudo super regulamentado e burocratizado, formaram-se alguns paradigmas de que tudo tem que ter uma chancela, um carimbo, um “pode” de algum órgão oficial para ser verdade. Os mais esdrúxulos exemplos disto são o reconhecimento de firma e a autenticação de documentos, como se só os “iluminados” funcionários de um cartório fossem capazes de olhar um documento e sua cópia e dizer: “É, são iguais”

Mas este é só um dos exemplos desta nossa infeliz tendência, um dos motivos de nosso atraso em relação a um mundo que se moderniza rapidamente. O outro exemplo é dos conselhos profissionais, ou melhor dizendo, antecedendo aos conselhos, a tal da fúria de regulamentação de profissões e sua estanqueidade, a imposição de valores burocráticos, como diplomas e filiações a conselhos para o exercício de determinadas profissões.

Hoje o conhecimento é, essencialmente, multidisciplinar e quanto mais permeabilidade houver entre profissões, melhor para a sociedade. Mas os conselhos profissionais são, essencialmente, reducionistas e agem como se o conhecimento coubesse em caixas, feudos, castelos artificialmente construídos. Logicamente que determinadas profissões exigem um maior rigor em sua fiscalização, mas outras devem ser mais abertas a vários tipos de conhecimentos e permitir uma maior interação entre diversas profissões. Acaba que os conselhos tornam-se órgãos que lutam por uma reserva de mercado que, se aparentemente benéfica para os profissionais a ele filiados compulsoriamente, é danosa para a sociedade como um todo, pois se torna limitante à difusão de conhecimentos.

Um caso típico é a agronomia, na qual o profissional tem um leque de conhecimentos que permite agir em diversas áreas da química e da biologia, mas muitas vezes os profissionais se vêm impedidos de fazê-lo por restrições legais. Um laboratório de análise de solo, por exemplo, pode muito bem, sob o ponto de vista técnico, ser operado por um agrônomo, que tem todo o conhecimento para isto. Mas, por força do Conselho de Química, este tipo de laboratório tem que ter um químico como responsável técnico. Também há áreas exclusivas de agrônomos onde químicos e biólogos poderiam atuar, mas a tal de limitação os impede.

No caso de administração, a confusão ainda é maior e só vai aumentar: recorrentemente fala-se em “criar” uma profissão de marketing, com diploma e conselho. O marketing é essencialmente multidisciplinar, assim como a biotecnologia na área biológica. Causa-me arrepios quando ouço alguém falar em criar uma profissão de biotecnólogo e o mesmo ocorre com o marketing. Atualmente fala-se também em criar uma profissão de “administrador de agronegócios”, visando tirar funções que hoje são exercidas, e muito bem na maioria dos casos, por administradores especializados em agronegócios e por agrônomos e veterinários especializados em administração.

Determinadas profissões possuem interfaces tão grandes, se interpenetram tanto, que fica totalmente artificial criar limitações para que outros profissionais, com um curso de especialização, possam exercê-la tão bem ou até melhor que um graduado. No caso do marketing, quem poderia exercer melhor o marketing, por exemplo, em uma empresa de insumos agrícolas, que lida diretamente com o agricultor: um recém graduado em uma escola de marketing, sem nenhum contato com o campo ou um agrônomo ou veterinário com uma pós-graduação em marketing e que, por força da profissão, conheça o ambiente agrícola?

O mundo gira hoje em uma velocidade cada vez maior, do ponto de vista dos conhecimentos e dos negócios, exigindo profissionais mais versáteis e uma quebra de paradigmas, de estruturas arcaicas, uma mudança completa em nossa maneira de encarar as profissões e os conhecimentos. Daí a necessidade de todas as estruturas se adaptarem rapidamente a estas mudanças, abrindo as comportas que emperram o livre trânsito do conhecimento que não pode ser departamentalizado, enquadrado em estruturas burocráticas antiquadas e perpetuadoras da burocracia, da fúria reguladora e, consequentemente, do atraso.

Esta discussão deveria fazer parte da agenda de desenvolvimento do país, uma discussão de cabeça aberta, sem preconceitos e sem corporativismo, visando o benefício que a sociedade teria com profissionais usando um maior leque de operações, com menor regulamentação, com um aumento da circulação do conhecimento, valorizando mais o “saber fazer” do que os carimbos, rótulos e outras regulamentações burocráticas

Um comentário:

claudia lulkin disse...

Caro AMIGO!
Vc traduz em palavras meus sentimentos!
Sou muito grata por esse cohecimento e sua corajosa sabedoria.
Nutr Claudia Lulkin -
não ao conselho que não reconhece as qualidades de seus "aconselhados"...