quinta-feira, 13 de maio de 2010
EmPACado
Editorial Estadão
Quem, como nós, teve oportunidade de acompanhar, pela televisão, do primeiro ao último minuto, o depoimento de 9 horas da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Comissão de Infra-Estrutura do Senado, na terça-feira, tem razões de sobra para discordar da interpretação predominante na imprensa de que o seu desempenho foi um sucesso - a menos que isso signifique, no caso, capacidade de enganar e sair incólume. Na realidade, ao tratar do tema que ocupou 90% do tempo da sessão, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do qual, segundo o presidente Lula, a ministra é ''mãe'', ela deixou claro que o filho é um dos mais robustos engodos que um governo já tentou impingir aos brasileiros. Por sinal, a quase total omissão, nos jornais de ontem, das embromações da ministra sobre a marcha triunfal do programa revela a que níveis alarmantes chegou o definhamento do senso crítico neste país hipnotizado pelos recordes de popularidade do titular da República.
É o que lhe permite, fechando o círculo vicioso, alardear como proeza em pedra e cal a contrafação do PAC. E é o que permite à sua ministra, como fez no Senado, exibir fantasiosos mapas de um Brasil em obras - o advento de um salto quântico em matéria de energia, transporte e comunicações. Mas ela não teria estado tão à vontade para confundir se não compartilhasse com o chefe de uma parcela, ao menos, da proverbial sorte que o protege. A sorte da ministra, anteontem, sentou-se ao seu lado antes mesmo do início de sua exposição preliminar. Foi quando o senador José Agripino Maia, do DEM do Rio Grande do Norte, produziu, quem sabe, a mais desastrada intervenção de sua carreira - o equivalente a entregar à ministra um revólver apontado contra si próprio. O senador insinuou que ela talvez viesse a mentir no depoimento, da mesma forma que mentira quando esteve presa no regime militar, como lembrara numa entrevista.
A enormidade deu azo a que Dilma falasse dos padecimentos que sofreu durante três anos de cativeiro, o que pôs abaixo seja lá o que a oposição imaginava usar contra ela a propósito do dossiê dos gastos palacianos no primeiro governo Fernando Henrique, confeccionado na Casa Civil. Como se sabe, esse, e não o estado de coisas do PAC, foi o motivo principal da convocação conseguida pelos oposicionistas, na terceira tentativa, graças a um cochilo da base do governo naquela comissão temática. Senhora da situação - com adversários assim, para que aliados? - a ministra disse o que bem entendeu sobre a origem e a finalidade do ''banco de dados'' - e passou o resto do tempo, mais de 90% das 9 horas que durou o depoimento, mentindo despreocupadamente sobre as obras do PAC, que senadores oposicionistas como Heráclito Fortes, do Piauí, Tasso Jereissati, do Ceará, e principalmente Kátia Abreu, de Goiás, demonstraram irrefutavelmente que nunca saíram do papel.
A senadora Kátia Abreu não foi contestada pela mãe da criança quando mostrou que esta permanece na incubadora: com ou sem PAC, os investimentos públicos permanecem estagnados há mais de uma década em 0,9% do PIB. Ninguém cobrou da ministra, com a severidade necessária, que dos R$ 17,2 bilhões destinados ao PAC este ano, só R$ 1,9 bilhão foi empenhado - e só ínfimos R$ 13,7 milhões foram efetivamente gastos no primeiro quadrimestre. Enquanto isso, fazendo troça da legislação eleitoral, Lula passeia pelo País lançando pedras fundamentais - ou seja, inaugurando intenções -, na companhia da ''mãe do PAC'', que certa vez chamou um desses factóides de ''comício'', num memorável ato falho. A oposição também poderia ter inquirido a ministra sobre a confissão de fracasso embutida numa sua declaração, dias atrás, em Santa Catarina. ''O que trava o PAC é a qualidade dos projetos que nós herdamos'', queixou-se. ''Nós não herdamos nem na área de energia, nem de logística, isso vale para rodovia, ferrovia, aeroportos.''
A culpa, portanto, é do governo anterior. Mas um detalhe parece ter escapado à reclamante: o governo anterior era já o do presidente Lula, no seu primeiro mandato. (O PAC foi lançado em janeiro de 2007.) E no primeiro mandato, a ministra de Minas e Energia, setor do qual a gestora do PAC afirma em alto e bom som nada ter herdado, era a mesmíssima Dilma Rousseff a quem Lula atribui ''uma capacidade de gerenciamento impecável''.
Nunca antes na história deste país se viu engodo dessas proporções.
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