Marcelo Silva - Provocações Tributárias
http://marcelosilva.wordpress.com/2007/04/30/ilegalidade-tributaria/
(I)Legalidade Tributária
Em tom metafórico Eurico Marcos Diniz de Santi assevera que “são desafios na interpretação do direito a guerra, a peste, a fome e a morte: ‘guerra’ que se instaura na intransigência do inesgotável contraditório, inerente à eterna oposição dos interesses que demarcam e justificam o direito; ‘peste’, a anemia semântica que o uso indevido imprime à linguagem jurídica, explorando e flexibilizando os limites semânticos do nosso idioma; ‘fome’, a inevitável ignorância da complexidade dos processos narrativos produtores do Direito, diante de nossas sempre limitadas e contingentes experiências pessoais no inesgotável espectro do mundo da cultura; e, finalmente, a ‘morte’, simbolizando o silêncio final, o esgotamento completo de nossa competência comucacional, representando a perda da iteração entre os usuários da linguagem”.
Neste contexto, desafiando a interpretação do direito, é preciso analisar os fundamentos jurídicos que sustentam a incidência da contribuição de interesse das categorias profissionais, no caso concreto a dos Conselhos Regionais de Contabilidade.
Em que pese a análise versar apenas sobre a contribuição devida aos Conselhos Regionais de Contabilidade, o tema é aplicável a todas as entidades criadas por lei com atribuições de fiscalização do exercício de profissões regulamentadas (ex.: CRM, CRN, CRA, CRQ, CREA, …).
1) LEGALIDADE
Paulo de Barros Carvalho, de forma contundente e sintética esclarece que o princípio da legalidade tributária, cravado na redação do art. 150, I, da CF/88, aponta para a necessidade impostergável de que o tributo seja criado ou majorado por lei.
Neste sentido o art. 97 do CTN – Código Tributário Nacional prescreve que somente lei pode instituir ou majorar tributos, observando que se equipara à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.
Confirmando, Hugo de Brito Machado observa que “só mediante lei são possíveis a criação e a majoração de tributo. Não mediante decreto, ou portaria, ou instrução normativa, ou qualquer ato normativo que não seja lei, sem sentido próprio, restrito”.
Nesse segmento, como consectário do princípio da legalidade tributária, condutor de relativa segurança jurídica, não há tributo (ou majoração deste) sem lei.
Portanto, em obediência a esse princípio somente lei pode criar ou majorar qualquer tributo do sistema nacional brasileiro.
2) CONTRIBUIÇÕES PROFISSIONAIS
Nossa Carta Cidadã, em seu art. 149, estabelece regras de competências para instituição de várias contribuições.
Tratando das espécies de contribuição, Humberto Ávila leciona que “o que as aproxima é a circunstância de servirem de instrumento para a promoção de finalidades. O que as diferencia são as finalidades específicas que cada uma delas deve promover e os requisitos constitucionalmente exigidos para sua instituição”.
De acordo com o art. 149 da CF/88, “compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”.
No caso específico sob análise temos que a União poderá instituir contribuições de interesse das categorias profissionais, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas.
Assim, com base no comando constitucional a União poderá instituir (ou majorar), através de lei, contribuição de interesse das categorias profissionais, desde que a finalidade-jurídica seja a atuação nas áreas respectivas.
No dizer de José Eduardo Soares de Melo, citando Roque Carrazza, relativamente às “contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas o objetivo imanente é ‘custear entidades (pessoas jurídicas de direito público ou privado) que têm por escopo fiscalizar e regular o exercício de determinadas atividades profissionais ou econômicas (…)’; ‘enquadram-se nesta categoria as (…) contribuições que os médicos pagam ao Conselho Regional de Medicina etc’”.
Com base em tais considerações a anuidade dos Conselhos Regionais de Contabilidade se constituem, verdadeiramente, em contribuição de interesse de categoria profissional, com fundamento constitucional do art. 149, observando que cabe a estes conselhos a “fiscalização do exercício da profissão de contabilista”.
Fixada tal premissa, é necessário verificar se a contribuição de interesse de categoria profissional (ou “anuidade”) possui ou não natureza jurídica tributária.
Com efeito, esclarece Ricardo Conceição Leite que “a natureza jurídica das contribuições mexeu com a doutrina, tornando-se um dos grandes embates ideológicos no campo fiscal”.
Seja como for, mesmo me filiando àqueles poucos que entendem que a natureza jurídicas das contribuições é não-tributária, reconheço a sedimentação das decisões judiciais no sentido de considerar a natureza tributária das contribuições após o advento da atual Carta Magna. Portanto, faço minha as palavras do mestre Ives Gandra da Silva Martins, para quem “de minha parte, curvo-me perante a orientação jurisprudencial, reformulando minha concepção original e submetendo-me à interpretação do Guardião da constituição, que é o Supremo Tribunal Federal”.
Assim, conforme conclui Arthur Maria Ferreira Neto, “as contribuições, de acordo com a natureza jurídica que lhes é ditada pela Constituição de 1988, são tributos“.
De forma jurisprudencial a natureza ora tributária ora não-tributária das contribuições pode ser assim identificada:
a) até a Emenda Constitucional n° 01/69: natureza não-tributária;
b) da Emenda Constitucional n° 01/69 até a Emenda Constitucional n° 08/77: natureza tributária;
c) da Emenda Constitucional n° 08/77 até a Constituição Federal de 1.988: natureza não-tributária; e
d) a partir da Constituição Federal de 1.988: natureza tributária.
Estabelecido, a partir da Constituição Federal de 1.988, a natureza jurídico-tributária da contribuição de interesse de categoria profissional, é imperioso afirmar que, em obediência ao princípio da legalidade tributária, esta somente poderá ser instituída ou majorada por lei.
Portanto, somente lei pode instituir ou majorar a “anuidade” dos Conselhos Regionais de Contabilidade.
3) ANUIDADE DEVIDA AOS CONSELHOS DE CONTABILIDADE
Prescreve o art. 21 do Decreto-lei n° 9.295, de 27 de maio de 1.946, que os contabilistas “ficam obrigados ao pagamento de uma anuidade de vinte cruzeiros (Cr$ 20,00) ao conselho Regional de sua jurisdição”.
Por seu turno, em 28 de junho de 1.965, com a publicação da Lei n° 4.695, ficou estabelecido em seu art. 2° que “ao Conselho Federal de Contabilidade compete fixar o valor das anuidades, taxas, emolumentos e multas, devidas pelos profissionais e pelas firmas aos Conselhos Regionais a que estejam jurisdicionados”.
Com a edição da Lei n° 6.994, de 26 de maio de 1.982, se determinou que “o valor das anuidades devidas às entidades criadas por lei com atribuições de fiscalização do exercício de profissões liberais será fixado pelo respectivo órgão federal”, sendo que na fixação deste valor para pessoa física será observado o limite máximo de “2 (duas) vezes o Maior Valor de Referência – MRV vigente no País”.
Há que se observar, por óbvio, que as normas citadas acima foram editadas sob a égide das Constituições de 1.937, 1.946 e 1.967, respectivamente. Ou seja, os contornos institucionais destas exações representam as diretrizes constitucionais daquelas cartas, não se lhe aplicando, eventualmente, às regras atuais.
Portanto, não é permitido ao interprete concluir que uma norma positivada sob o manto da Constituição de 67 tenha sido integralmente recepcionada pela atual constituição, ou ainda, que seus contornos de instituição ou majoração não devam ser submetidos ao princípio da legalidade.
Não obstante à recepção pela Constituição Federal de 1.988 da contribuição de interesse de categoria profissional (”anuidade” aos Conselhos Regionais de Contabilidade) instituída pelo Decreto-lei n° 9.295/96, a majoração desta fica reservada à lei.
É neste sentido o posicionamento do STJ – Superior Tribunal de Justiça, ao estabelecer, no caso concreto de anuidade devida ao Conselho Regional de Contabilidade do Estado do Rio Grande do Sul, que “a anuidade devida aos Conselhos Regionais que fiscalizam as categorias profissionais tem natureza de contribuição social e só pode ser fixada por lei”.
Em seu voto, no REsp n° 225.301/RS, o Ministro Garcia Vieira destaca que “compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesses das categorias profissionais (CF, art. 149), sendo vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (CF, art. 150, I). Assim, o recorrente só pode fixar o valor das anuidades nos limites estabelecidos em lei, porque elas decorrem da lei e não podem ser arbitradas por resolução e em valores além dos estabelecidos pela norma legal”.
Nesse ponto é imperioso destacar que, a partir da Carta Constitucional de 88, somente lei pode majorar a anuidade aos Conselhos Regionais de Contabilidade.
4) (I)LEGALIDADE DA MAJORAÇÃO DAS ANUIDADES
Através de resoluções o Conselho Federal de Contabilidade vem estabelecendo/majorando a contribuição de interesse de categoria profissional, ou seja, a anuidade devida aos Conselhos Regionais de Contabilidade.
Para o exercício de 2007, a Resolução CFC n° 1.081/2006 determinou anuidade de R$ 295,00; no exercício de 2006 a anuidade era de R$ 277,00.
Ocorre que ao majorar as anuidades ano a ano, o Conselho Federal de Contabilidade produz um aumento de tributo através de veículo impróprio para tal. Refiro-me às resoluções.
Assim, com estas resoluções temos, literalmente, a violação do princípio da legalidade, segundo qual não há majoração de tributo sem lei.
Da análise da Lei n° 6.994/82, que como visto alhures estabeleceu o limite máximo das anuidades das entidades criadas por lei com atribuições de fiscalização do exercício de profissões liberais, e dos diversos planos econômicos brasileiros é possível obter que:
a) o limite máximo da anuidade é de 2 (duas) vezes o Maior Valor de Referência – MRV;
b) de acordo o art. 21 da Lei n° 8.178/91, o Maior Valor de Referência – MVR representa Cr$ 2.266,17;
c) de acordo com o § 1°, art. 1° da Lei n° 8.383/91, instituiu-se a Ufir como indexador para fins de cálculo da atualização monetária, e que esta aplica-se a tributos e contribuições sociais, inclusive previdenciárias, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas;
d) de acordo com o inciso II, art. 3° da Lei n° 8.383/91, os valores expressos em cruzeiros na legislação tributária ficam convertidos em quantidade de UFIR, utilizando-se como divisor o valor de R$ 126,8621;
e) de acordo com a Portaria MF n° 488/99, a reconversão em reais faz-se mediante multiplicação da quantidade de Ufir pela expressão monetária da Ufir referente ao exercício de 2.000 de R$ 1,0641;
f) MRV de Cr$ 2.266,17 (/) BTN de Cr$ 126,8621 (=) 17,863254 Ufir;
g) 17,863254 Ufir (X) R$ 1,0641 (=) R$ 19,00.
Levando-se em consideração as normas/critérios supra citados, o valor legal máximo da anuidade aos Conselhos Regionais de Contabilidade é de R$ 38,00 (2 x R$ 19,00).
5) CONCLUSÃO
As anuidades devidas aos Conselhos de Profissão Regulamentada são tributos, e como tal regidos pelo princípio da legalidade, resultando ilegal qualquer norma administrativa que estabeleça valores acima daqueles previstos sistematicamente em lei.
domingo, 16 de março de 2008
Anuidades dos Conselhos de Profissões II
Para aqueles que ainda não acreditam que as anuidades dos conselhos de profissões (de todas as profissões regulamentadas) estão fora da lei, segue mais uma dissertação a respeito:
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