Fuga de cérebros, principalmente de médicos, prejudicou ensino e medicina preventiva, antes tidos como modelos
Roberto Lameirinhas, HAVANA
Entre os principais objetivos das reformas estruturais sugeridas no discurso do novo presidente de Cuba, Raúl Castro, estão a manutenção e o custeio das meninas dos olhos do regime cubano: os serviços públicos e gratuitos de educação e saúde. A crise econômica dos anos 90 que se seguiu ao colapso da União Soviética, que o regime de Fidel Castro chamou de "período especial", pôs em risco os dois sistemas - até então, considerados modelo pelo restante do mundo.
Os programas sobreviveram, mas a demanda pelos serviços aumentou numa proporção maior do que a capacidade financeira do Estado de ampliá-los e modernizá-los. Boa parte das instalações e equipamentos hospitalares e escolares está deteriorada e a busca por melhores salários no exterior levou à fuga de cérebros, principalmente no caso dos médicos.
Com isso, ficaram prejudicadas algumas áreas de excelência, como a qualidade do ensino básico e das pesquisas acadêmicas, no caso da educação, e os programas de medicina preventiva massificados e as investigações de ponta para a cura de doenças como leishmaniose e vitiligo.
Na semana passada, Dayse Salgar, professora de filosofia da Escola de Ciências Sociais e ferrenha defensora da revolução, reconheceu "equívocos e contradições" que têm causado o desânimo dos jovens e o declínio na qualidade da educação cubana.
"Houve um grande esforço para massificar a educação universitária e, em nome da quantidade, o sistema educacional perdeu algo em termos de qualidade", disse ao Estado. "É preciso recordar que somos um país sob um rígido bloqueio (referência ao embargo comercial por parte dos EUA) e isso causa distorções e contradições na sociedade cubana. Às vezes é difícil convencer um jovem a dedicar-se a seu trabalho acadêmico quando ele vê seus colegas doutores trabalhando como motoristas de táxi, camareiras e cozinheiros em hotéis para turistas.
"A situação do ensino básico também põe o governo em alerta. "Poucas escolas têm sido construídas e as que existem apresentam problemas de estrutura", diz Antonio, guia turístico de 45 anos e pai de três filhos. "Muitas vezes, os pais se cotizam para comprar material de construção e fazem mutirões para realizar reformas nos edifícios", diz. "Além disso, a ?tablita? (a cota mensal de gêneros de primeira necessidade vendidos em peso nacional) não cobre todo o material escolar necessário e temos de comprá-lo no mercado negro, em pesos conversíveis.
"Mesmo apresentando indicadores sociais ainda invejáveis, como analfabetismo zero, a menor taxa de mortalidade infantil e a maior expectativa de vida na América Latina, os sinais de declínio têm preocupado o regime a ponto de Raúl ter anunciado em seu discurso de domingo que adotará medidas para aumentar a eficiência dos serviços do Estado.
Em Cuba, um médico pode ganhar US$ 20 por mês. No fim dos anos 90, como forma de aliviar o problema dos baixos salários, o regime intensificou os programas de cooperação de saúde com outros países, dando aos profissionais a oportunidade de ganhar em moedas mais fortes. Milhares foram para nações africanas ou outras partes da América Latina, incluindo o Brasil.
Só na Venezuela, eles são mais de 12 mil. Cerca de um terço dos profissionais de saúde da ilha hoje trabalha em projetos do presidente Hugo Chávez como parte de um acordo em que os serviços dos cubanos são pagos com petróleo subsidiado.
Nos hospitais de Cuba, as filas cresceram. "Há dentistas que chegam a atender em oito postos de saúde diferentes por falta de profissionais", disse ao Estado o economista cubano Carmelo Mesa-Lago, professor da Universidade de Pittsburgh (EUA), e autor de dezenas de estudos sobre os serviços públicos da ilha.
Os relatos dos cubanos confirmam o problema. "Para conseguir rapidez na realização de um exame, por exemplo, ajuda conhecer o médico que está tratando do caso e levar para ele um presentinho ou alguma comida", diz Javier, técnico em construção civil em uma das filas do Hospital Calixto García, de Havana, para tratamento de um problema de coluna. "Que fique entre nós, não sei onde Fidel está se tratando, mas duvido que esteja aqui", brinca.
Embora nenhum cubano admita isso publicamente, os líderes do regime utilizam centros médicos mais sofisticados e bem equipados. Causou surpresa, em dezembro de 2006, o fato de o governo ter trazido da Espanha um especialista em infecções quando o quadro de saúde de Fidel se agravou, depois da cirurgia intestinal a que se submetera quando transferiu o poder para o irmão, em julho.
No Calixto García, grande parte do corpo médico é composta por uma "legião estrangeira", que substituiu os profissionais cubanos que foram para o exterior. Na verdade, são residentes de outros países da América Latina que se formam em medicina nas universidades cubanas. Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080227/not_imp131236,0.php
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