"As ordens e conselhos profissionais querem proteger o mercado de seus graduados pela força da lei. A reserva é ótima para quemé protegido da concorrência. Mas, para a sociedade, só há perdas"
Imaginemos um bilionário tupiniquim cismando de fundar uma fantástica escola de administração. Para isso, lista os professores mais distinguidos do globo: Amitai Etzioni, Fritjof Capra, Humberto Maturana, Henry Mintzberg, Herbert Simon, Joseph Juran, Michael Porter, Peter Drucker, Peter Senge e Tom Peters. Contudo, nenhum deles poderia ser contratado, pois não têm diploma de administração de empresas, exigido pelo Conselho Federal de Administração. Pelas normativas 300 e 301, os professores formados em outras áreas não podem lecionar nos cursos de administração. Ou seja, não podem ensinar em nossas escolas os mais destacados pensadores, lidos por todos os alunos.
O tapetão das profissões tem origem nas corporações de ofício medievais. Mas elas tinham sua razão de ser. As corporações deram estrutura e proteção a uma classe nascente de artesãos altamente refinados (marceneiros, ferreiros, pedreiros e dezenas de outras ocupações). Organizados, seus membros ganharam status e a defesa de interesses antes desprotegidos e marginalizados na hierarquia social. Graças às corporações de ofício, foram valorizados e desenvolvidos os ofícios clássicos. Nelas se compartilhavam as técnicas e as boas práticas que levaram à produção de obras imperecíveis. De fato, a maçonaria (da palavra francesa para pedreiro) foi, em sua origem, uma espécie de "academia de ciências" da construção civil, responsável pelos avanços tecnológicos que permitiram as catedrais góticas. Foi também nas corporações de ofício que se criaram as regras sob as quais os mestres transmitiam para seus aprendizes tudo o que sabiam. Portanto, elas são a origem da formação profissional. Mais ainda, impunham exames rígidos para a concessão de uma carta de ofício – o que protegia também os clientes. A palavra obra-prima designava o trabalho de formatura, na qual o aprendiz mostrava o seu virtuosismo. Os membros dessas entidades tinham direito exclusivo ao exercício das profissões. A força da lei os protegia, concedendo-lhes rígida reserva de mercado – que apenas foi abalada com as turbulências da Revolução Industrial. Elas por elas, o balanço foi altamente positivo. Eram muitos os serviços e benefícios prestados à comunidade, em troca da proteção dos mercados. Embora as corporações originais tenham desaparecido, foram reencarnadas nos conselhos profissionais, ordens e sindicatos herdeiros dessas tradições. Mas a equação é diferente. Todos visam proteger ocupações de nível superior, cujos diplomados estão no topo da distribuição de renda, de status e de poder. São os que menos precisam de proteção legal, pois ganham pelo menos cinco vezes mais do que um operário qualificado. Infelizmente, as ordens e conselhos não têm desempenhado nenhum papel relevante no avanço técnico das profissões. E são tíbias as punições por travessuras ou conduta antiética. Tampouco têm qualquer papel significativo em controlar a qualidade dos profissionais (à exceção da Ordem dos Advogados, com seu exame ???), o que seria sua função nobre. Não obstante, querem proteger o mercado de seus graduados pela força da lei. As corporações medievais tinham esse privilégio, mas davam muito em contrapartida. O novo corporativismo reivindica reservas de mercado sem prestar nenhum serviço relevante à sociedade. É verdade, a reserva de mercado é ótima para quem é protegido da concorrência. Mas, para a sociedade, só há perdas. Nos dias de hoje, o monopólio do diploma justifica-se quando os clientes não sabem avaliar a competência de quem prestaria o serviço ou quando há riscos (como nas áreas médica, legal e de aviação, por exemplo). Ora, o dono de uma empresa ou escola de administração sabe quem sabe e quem não sabe. Não é ajudado pelo conselho. Pelo contrário. O conselho não deixa contratar nem Drucker, que é advogado, nem Maturana, que é biólogo. Os interesses da sociedade não são os mesmos que os das ordens e dos sindicatos profissionais. Logo, é inexplicável a posição do Ministério da Educação, ao endossar o tapetão de grupos já privilegiados, em vez de defender o bem-estar coletivo.
Claudio de Moura Castro é economista (claudiodmc@attglobal.net)
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