quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O Risco Profissional



por Jacy de Souza Mendonça em 16 de agosto de 2004

Resumo: Se não tiverem êxito na luta contra a regulamentação, os jornalistas correm o risco de ingressar no rol dos demais profissionais brasileiros que só podem exercer uma profissão se os que já a exercem o permitirem.

© 2004 MidiaSemMascara.org

O projeto de lei sobre o Conselho de Jornalismo é um dos maiores benefícios que o atual governo trouxe ao País. Critica-se que ele representa um cerceamento indevido à liberdade de comunicação e expressão, o que é verdade, como é também verdade que ele corresponde a uma restrição indevida à liberdade de exercício profissional. Exatamente por isso, entendo que ele é muito bom.

Seu mérito está em acordar o pensamento nacional para um problema sério que vem de longos anos e se agrava cada vez mais. Parece que ninguém se lembra de que, para o exercício da medicina, o profissional deve ingressar e se sujeitar ao CRM; para exercer a engenharia e similares, há que ingressar e obedecer ao CREA; para advogar é necessário ingressar na OAB, contribuir para ela e sujeitar-se a seu controle. Para quase todas as profissões, enfim, há um Conselho assemelhado em nosso País, com poderes também assemelhados. Talvez o mais constrangedor seja exatamente a OAB, que já tem atribuição para autorizar ou não a abertura de Faculdades de Direito, realizar um julgamento público de cada escola, examinar os bacharéis para decidir se podem ou não ser admitidos em seus quadros, condicionar o exercício da advocacia à comprovação de ser seu associado e pagar-lhe a contribuição mensal; além disso, ela controla o procedimento de seus sócios, limita a concorrência que novos profissionais podem fazer aos antigos, e deles arrecada, enfim, mais do que a maioria dos Estados da União consegue arrecadar de seus contribuintes tributários.

Toda essa estrutura vem da Idade Média, quando imperavam as corporações de ofício, ou corporações de mestres. Ninguém podia ter o privilégio de exercer uma profissão sem pertencer à corporação a ela correspondente e obedecer a seus regulamentos. Ninguém conseguia também mudar de profissão, porque não era admitido em outra corporação. Para ingressar em uma delas, era inicialmente necessária longa aprendizagem, seguida da prestação de uma prova de habilitação que, com o correr dos tempos, foi substituída pelo pagamento de mensalidades ou anualidades. Aos poucos, o ingresso ficou condicionado a ser filho de um de seus membros, pois, caso contrário, o candidato não conseguia ser admitido. Esse sistema, por ter sido considerado social, em oposição ao individualismo, foi acolhido como ideal, pela Doutrina Social da Igreja Católica. Em 1517, em Coimbra, o Regimento da Festa do Corpo de Deus enumerava todas as profissões do país, agrupadas por ofícios.

O império das corporações foi extinto em todo o mundo entre os anos 1700 e 1800, com a tomada de consciência de que elas representavam grave obstáculo não só à liberdade, mas também ao desenvolvimento dos cidadãos e da economia dos povos. Em Portugal, elas foram extintas por um decreto de 7 de maio de 1834.

Mussolini retomou, no entanto, a idéia corporativista como forma de combater o socialismo marxista instaurado na Rússia e que ameaçava expandir-se pela Europa. Como o marxismo sustentava que a sociedade humana é estruturada sob a forma de luta de classes, ele resolveu demonstrar que, ao contrário, não há luta de classes, mas coordenação social das classes e profissões, organizadas em suas corporações. Graças a Mussolini, temos, ainda hoje, no Brasil, o sindicato único compulsório (equivalente a uma corporação) para cada segmento profissional e região, fruto do sistema fascista copiado por Getúlio Vargas.

Ninguém reclama contra essa constrição malsã à liberdade, porque ninguém tem voz para fazê-lo. Por isso é muito bom assistir à chegada do sistema aos profissionais da imprensa, que tem voz, podem e gostam de reclamar; é muito bom que eles gritem, antes que o monstro os engula. Que o façam! Que o façam com toda a sua força! Que estendam seu grito não só contra a corporação dos jornalistas, mas contra o sistema corporativista, contra todas as corporações existentes em nosso País, seu poder econômico e sua força esmagadora do cidadão.

Se não tiverem êxito nesta luta, os jornalistas correm o risco de ingressar no rol dos demais profissionais brasileiros, que só podem exercer uma profissão se os que já a exercem o permitirem, que só podem fazer o que estes quiserem e permitir que se faça.

Nenhum comentário: