quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A Volta às Guildas?



Claudio L. S. Haddad
15/01/08

Está sendo proposto um projeto de lei requerendo que os formandos em medicina, para que possam exercer a profissão, passem em um exame de proficiência a ser realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

A proposta é ruim para a Saúde e para o país. Os resultados de um exame, realizado em 2007, pelo Conselho Regional de Medicina de SãoPaulo (CREMESP) para formandos em medicina foram ruins. Apenas 367 dos 833 participantes acertaram mais de 60% das questões na primeira fase, sendo apenas 265 aprovados. As notas dos formandos em medicina no Exame Nacional de Desempenho (ENADE) realizado pelo MEC em 2004, com média nacional igual a 49,5/100 também foram baixas. Tais resultados comprovariam a insuficiência de capacitação de boa parte dos formandos em uma atividade de alto impacto social e humano e justificariam, além da fiscalização do MEC sobre as escolas de medicina, um controle adicional e eliminatório feito pelo CFM.

O Brasil é um país pobre e de renda concentrada, no qual a rede pública de serviços de saúde, utilizada pela grande maioria da população, é de baixa qualidade. Da mesma forma, os índices de desempenho educacional brasileiros também são precários, como comprovam as médias obtidas no ENADE para todos os cursos superiores. Medicina é um dos cursos mais valorizados no Brasil, com 298 mil candidatos, em 2005, concorrendo a 14 mil vagas. Nesse ano, de 4,5 milhões de alunos matriculados no ensino superior, apenas 69 mil estudavam medicina. Para cursá- la o aluno tem de ter desempenho escolar acima da média. O programa, de seis anos, envolve grande investimento do estudante e, por sua complexidade, da instituição de ensino. Embora os testes não sejam diretamente comparáveis, a média nacional em medicina no ENADE de 2004, apesar de sofrível em termos absolutos, é superior às dos outros cursos.

Tanto a oferta limitada de profissionais quanto o alto investimento na graduação se refletem na remuneração auferida pelos médicos. O salário médio recebido por eles é o mais elevado entre os graduados de todas as profissões, estando 22% acima dos engenheiros civis e 67% dos administradores.

Alega o CREMESP que o número de médicos em São Paulo é excessivo. EStudos mostram o número de médicos por 1000 habitantes em relação à renda per capita de diversos países, assim como a linha de tendência (positiva e significativa) entre as duas variáveis. Tanto em 2000 quanto em 2005 o Brasil situa-se abaixo da tendência mundial, próximo da Índia, China, Chile e Turquia, com os países europeus em geral apresentando maior densidade de médicos. O dado para São Paulo é de 2,23 médicos por 1000 habitantes em 2005, contra 0,56 no Maranhão. Como a renda per capita de São Paulo é 30% superior à média nacional, São Paulo ainda ficaria abaixo da linha de tendência. Ou seja, tudo indica que o número de médicos no Brasil está longe de ser excessivo, principalmente nas regiões mais pobres e que, em média, os alunos de medicina parecem estar mais bem preparados do que os das demais profissões, inserindo-se adequadamente no mercado de trabalho.

Mas não seria bom melhorar o padrão mínimo de qualidade dos médicos? Claro que sim. Com o tempo, as pressões do mercado de trabalho, a melhor transparência dada pelo ENADE e a atuação do MEC contribuirão para melhorar a qualidade dos cursos de medicina. Em 1 Marcelo Neri, “O Retorno à Educação no Mercado de Trabalho”, FGV-CPS. Num prazo mais imediato, a qualidade média pode ser melhorada pelo racionamento da oferta, através de um rigoroso exame nacional de proficiência, nos moldes da proposta em curso.

Mas a que custo? É viável se ter, nos próximos anos, um elevado padrão de qualidade, semelhante ao dos países mais desenvolvidos, compatível com um número de médicos que atenda às necessidades da população? E, isto não sendo possível, o que é melhor, um maior número de médicos, em média abaixo daquele padrão de excelência, ou uma elite que vai se concentrar, como em passado não muito distante, em clinicar para os 20% mais ricos?

Entretanto, ainda que se aceite a idéia de um exame complementar de proficiência, o importante é que seus critérios sejam definidos pela sociedade e não pela associação profissional dos médicos. Uma proposta alternativa seria a de tornar obrigatório o ENADE a todos os formandos de medicina, ao invés de feito por amostragem como é hoje, faze ndo com que a nota conste do diploma ou que seja divulgada a pedido do paciente ou do empregador.

Já dar ao CFM o poder de controlar o acesso à profissão é recriar as guildas, associações de artesãos que regularam suas atividades profissionais até a revolução industrial. Por melhor que sejam as intenções, o conflito de interesses é flagrante, pois a remuneração e as condições de emprego dos praticantes são inversamente relacionadas ao número de novos profissionais formados, havendo claro incentivo para a limitação da oferta aquém do ótimo para a sociedade.

Por mais apelo que possa ter a proposta, é melhor arquivá- la, deixando ao MEC a tarefa de regular o ensino e ao mercado a de selecionar os médicos por sua competência.

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