domingo, 16 de março de 2008

Anuidades dos Conselhos de Profissões III

INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI nº 11.000/2004
(Anuidades e Taxas dos Conselhos de Fiscalização Profissional)
Fernando Lima
Professor de Direito Constitucional da Unama
Home page: www.profpito.com
07.01.2004


SUMÁRIO: 1. Apresentação 2. A medida provisória 3. As normas anteriores 4. Os enigmas da Ordem dos Advogados do Brasil 5. Os Conselhos de Fiscalização Profissional 6. Natureza jurídica das anuidades e taxas 7. Indelegabilidade da competência tributária 8. A questão das diárias, “jetons” e auxílios de representação 9. Considerações finais.


APRESENTAÇÃO

O Congresso Nacional aprovou, no dia 15.12.2004, a Lei nº 11.000, que alterou diversos dispositivos da Lei nº 3.268, de 30.09.1957, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina.

Dentre essas alterações, verifica-se que, no art. 5º da Lei nº 3.268/57, foi incluída, pelo art. 1º da Lei nº 11.000/2004, como atribuição do Conselho Federal de Medicina, “fixar e alterar o valor da anuidade única, cobrada aos inscritos nos Conselhos Regionais de Medicina”. (alínea “j”)

Mas, além disso, o art. 2º da Lei nº 11.000/2004 determinou que:

“Art. 2o Os Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autorizados a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais, devidas por pessoas físicas ou jurídicas, bem como as multas e os preços de serviços, relacionados com suas atribuições legais, que constituirão receitas próprias de cada Conselho.”

Essas normas, quer aquela dirigida, especificamente, ao Conselho Federal de Medicina, quer a do art. 2º, acima transcrito, genericamente destinada aos Conselhos de fiscalização profissional, são todas inconstitucionais, conforme será exposto a seguir.

A MEDIDA PROVISÓRIA

A Lei nº 11.000/2004 resultou da conversão da Medida Provisória nº 203, de 28.07.2004, que não se referia, absolutamente, aos outros Conselhos Profissionais, mas apenas ao Conselho Federal de Medicina.

No entanto, os membros do Fórum dos Conselhos Federais de Profissões Regulamentadas, denominado “Conselhão”, compareceram a Brasília, em outubro de 2004, e apresentaram uma proposta de emenda a essa Medida Provisória, de modo que todas as autarquias corporativas pudessem fixar os valores de suas anuidades e também das diárias e dos “jetons” de seus dirigentes. Aliás, a fixação, pelos Conselhos, de suas próprias diárias e “jetons”, diz a notícia divulgada na Internet, pelo Cofecon – Conselho Federal de Economia, acabaria “de vez com os transtornos causados por decisão do Tribunal de Contas da União, que mandava que as diárias de todos os Conselhos ficassem atreladas ao decreto que fixa os valores para o Executivo Federal.”

Como se observa, o Governo e o Congresso foram bastante receptivos, e atenderam a todas as reivindicações dos dirigentes dos Conselhos Profissionais, aprovando a Lei nº 11.000/2004. Será uma pena, porém, para a nossa ordem jurídica, se os “transtornos” tiverem acabado, realmente, e se o Ministério Público e o Judiciário não cumprirem a sua obrigação, porque essas normas são inteiramente inconstitucionais.

AS NORMAS ANTERIORES

Deve-se ressaltar, antes, que a Lei nº 6.994, de 26.05.1982, disciplinou a fixação do valor das anuidades e taxas devidas aos órgãos fiscalizadores do exercício profissional, estabelecendo, no entanto, limites máximos, com base no MVR (Maior Valor de Referência). Dessa forma, embora coubesse ao seu respectivo órgão federal a fixação do valor da anuidade e das taxas que deveriam ser pagas pelos profissionais liberais, todos os Conselhos Profissionais ficaram obrigados a respeitar esses limites.

A Lei nº 9.649, de 27.05.1998, que dispôs sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, determinou que os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas seriam “exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa” (art. 58) e que os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas estariam “autorizados a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas ou jurídicas, bem como preços de serviços e multas, que constituirão receitas próprias, considerando-se título executivo extrajudicial a certidão relativa aos créditos decorrentes” (§ 4º do art. 58). Ressalte-se que esta Lei revogou, expressamente, a Lei 6994/82. O Congresso Nacional pretendia, portanto, que os conselhos de fiscalização profissional tivessem total liberdade para a fixação de suas anuidades e taxas.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.717/DF (Relator Min. Sydney Sanches, julgamento em 07.11.2002), por unanimidade, decidiu pela inconstitucionalidade do "caput" e dos parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do art. 58 da Lei 9.649/98, tendo em vista a “indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados”. Firmou, conseqüentemente, o entendimento de que os conselhos profissionais devem ter, necessariamente, natureza pública (autárquica).

Pois bem: a Lei nº 11.000/2004, cuja inconstitucionalidade é evidente, o que se pretende provar em seguida, corresponde exatamente a uma nova tentativa de preencher essa “lacuna legal”. Isso não seria possível, porém, porque as anuidades e taxas têm natureza tributária e devem obedecer, portanto, ao princípio constitucional da estrita legalidade. Somente através de lei, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, poderiam ser instituídos esses tributos.

OS ENIGMAS DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

Assim, todos os Conselhos de fiscalização profissional continuaram fixando suas próprias anuidades, de maneira inconstitucional e sem qualquer embasamento legal, embora em relação à Ordem dos Advogados do Brasil, especificamente, a questão já tivesse sido “resolvida”, pelos arts. 46 e 58, IX, da Lei 8.906, de 04.07.1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil). De acordo com o art. 46, dessa Lei, “Compete à OAB fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições, preços de serviços e multas”, enquanto que o art. 58, em seu inciso IX, enumerou como uma das competências privativas dos Conselhos Seccionais “fixar, alterar e receber contribuições obrigatórias, preços de serviços e multas”. O Congresso Nacional entendeu, portanto, quando foi elaborado o Estatuto da Ordem, que não deveriam ser aplicados à OAB os limites máximos para a fixação das anuidades e taxas, constantes da Lei 6.994/82, que se aplicavam a todos os conselhos de fiscalização profissional.

A melhor doutrina e a jurisprudência mais correta entendem que a OAB é uma autarquia especial, dispondo assim do poder de polícia para a fiscalização do exercício da advocacia. As anuidades e as taxas cobradas pela OAB têm natureza tributária, como as de todos os outros Conselhos de fiscalização profissional. É o que se observa, por exemplo, em recente decisão da 1ª Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. DÉBITOS RELATIVOS A ANUIDADES DEVIDAS À OAB/SC. APLICAÇÃO DA LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS. 1. A jurisprudência da 1ª Turma orienta-se no sentido de considerar que a OAB tem natureza jurídica de autarquia de regime especial, tendo as anuidades por ela cobradas a característica de contribuição parafiscal. 2. As execuções ajuizadas para a cobrança da contribuição compulsória devem ser processadas perante a Justiça Federal (CF, art. 109, I), e seguir o procedimento disciplinado pela Lei 6.830/80. 3. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ. RESP 614678/SC/1ª Turma. Min. Teori Albino Zavascki. DJ-Data: 07/06/2004. Pg.: 172)”

No entanto, os dirigentes da OAB costumam dizer que a Ordem não é uma autarquia (mas não dizem qual a sua verdadeira natureza jurídica) e que as anuidades não são tributos, mas “dinheiro dos advogados”, como se fosse possível alguém ser obrigado a pagar uma anuidade que “não é tributo”, a uma Ordem dos Advogados que não tem natureza pública, ou não é uma autarquia, e ser punido, em caso de inadimplência, com a proibição do exercício de sua profissão!

Se a Ordem dos Advogados não tivesse natureza pública (de órgão da administração indireta), evidentemente que ninguém seria obrigado a cumprir as suas exigências, porque ela não poderia exercer o poder de polícia. Esse foi, aliás, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 1717/DF, acima referida. Recorde-se, ainda, que é livre a associação profissional e sindical (Constituição Federal, art. 8º, “caput”) e que “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato (Constituição Federal, art. 8º, inciso V).

Apesar de todas essas evidentes razões doutrinárias, contudo, o próprio Superior Tribunal de Justiça já entende, absurdamente, por sua 2ª Turma, que a OAB não é uma autarquia e que as suas anuidades não são tributos:

“PROCESSO CIVIL - ADMINISTRATIVO - EXECUÇÃO LEVADA A EFEITO PELA OAB PARA COBRANÇA DE ANUIDADES - JULGADO DA CORTE DE ORIGEM QUE RECONHECE A NATUREZA TRIBUTÁRIA DA CONTRIBUIÇÃO, BEM COMO A NECESSIDADE DE SEGUIR O RITO DA LEI N. 6.830/80 - RECURSO ESPECIAL - PRETENDIDA A REFORMA - ACOLHIMENTO. - Diante da natureza intrínseca da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, que não se equipara à autarquia propriamente dita, denota-se que as contribuições recebidas pela entidade, efetivamente, não possuem natureza tributária. Pensar de modo diferente, data vênia, é crer que a OAB faz parte da administração pública e que os valores que recebe a título de anuidade equivalem a dinheiro público. - A corroborar com esse entendimento, a douta Ministra Eliana Calmon já assentou, "com base na jurisprudência da Corte e na doutrina, ser a OAB autarquia especial, mas as contribuições por ela cobradas não têm natureza tributária e não se destinam a compor a receita da Administração Pública, mas a receita da própria entidade, o que afasta a incidência da Lei n. 6.830/80" (REsp n. 497.871-SC, in DJ de 2/6/2003). - Recurso especial conhecido e provido para o fim de que a execução a ser promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil - OAB observe o disposto nos artigos 566 e seguintes do Diploma Processual Civil. (STJ. RESP 449760/SC/2ª Turma. Min. Franciulli Netto. DJ-Data:12/04/2004. Pg.: 191)”

Esse Acórdão contém, evidentemente, uma série de sofismas, através dos quais a 2ª Turma do STJ tentou contornar as exigências e as garantias constitucionais. Disse, inicialmente, que a Ordem dos Advogados “não se equipara à autarquia propriamente dita”, mas não disse, e nem ao menos insinuou, qual é a sua verdadeira natureza jurídica. É um dilema: se afirmasse que tem natureza privada, estaria contrariando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, mas se reconhecesse a natureza pública da Ordem dos Advogados, a 2ª Turma do STJ seria obrigada a reconhecer, também, a existência de seus vínculos com o Estado, que justificam o seu poder de polícia e o seu poder de exigir o pagamento das anuidades. Diga-se, “en passant”, que a Ordem dos Advogados do Brasil, embora seja considerada “serviço público”, pelo art. 44 de seu Estatuto (Lei nº 8.906/94, “caput”), “não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico” (Lei nº 8.906/94, § 1º do mesmo art. 44). Como se isso fosse juridicamente possível!

Mas o Superior Tribunal de Justiça afirmou, em seguida, que “as contribuições recebidas pela entidade não possuem natureza tributária”, porque a OAB “não faz parte da administração pública” e porque “as anuidades não equivalem a dinheiro público”. Não disse, porém, o Acórdão da 2ª Turma, qual a natureza jurídica dessas contribuições, nem conseguiu explicar o fato de que elas são, na verdade, “prestações pecuniárias compulsórias, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir...”, conforme definido pelo art. 3º do Código Tributário Nacional, nem, muito menos, o fato de que a anuidade seja instituída através de resoluções da própria Ordem dos Advogados e, mesmo assim, o seu pagamento seja compulsório, embora a Constituição Federal afirme que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar e fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Constituição Federal, art. 5º, II) e que, especificamente em relação aos tributos, a Constituição Federal garanta ao contribuinte que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (Constituição Federal, art. 150, “caput” e inciso I). No entanto, a Ordem dos Advogados pode instituir e aumentar as anuidades, através das suas resoluções, porque as anuidades são “dinheiro dos advogados”! Trata-se, na verdade, de mais um rematado exemplo de hipocrisia jurídica, porque não se pode supor que aos ilustres magistrados faltem os conhecimentos jurídicos necessários para que possam compreender o absurdo de suas conclusões, no julgamento do Recurso Especial nº 449.760/SC.

Talvez a Ordem dos Advogados seja, na verdade, quando lhe interessa, para não prestar contas a quem quer que seja, um simples Clube dos Advogados, autorizado a cobrar, contudo, pelo Estado, contribuições compulsórias, e a cassar a carteira profissional dos advogados inadimplentes. É interessante, também, que a Ordem dos Advogados, apesar de “não fazer parte da administração pública”, ou de não manter “com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico”, na dicção do já referido § 1º do art. 44 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Ordem), é muito interessante, na verdade, que a Ordem dos Advogados tenha imunidade tributária; que já tenha recebido, ou receba, em diversos Estados, percentuais das taxas judiciárias (o Palácio da OAB, em Brasília, foi construído com essas taxas); que tenha recebido, da Assembléia Legislativa do Estado do Pará, uma doação, de R$150.000,00, para a reforma de sua sede; que tenha, também, o poder de indicar os seus membros, pelo quinto constitucional, para que passem a integrar os nossos Tribunais; que participe do processo de fiscalização da constitucionalidade, através da propositura de ações diretas, perante os Tribunais de Justiça e perante o Supremo Tribunal Federal; que fiscalize, avalie e até mesmo pretenda fechar, ou impedir a abertura de novos cursos jurídicos; que realize um exame de ordem, recheado de questões mal elaboradas, que reprova até 90% dos bacharéis formados em nossas universidades, “comprovando”, na sua visão, que esses cursos formam bacharéis inteiramente incapacitados para o exercício da profissão jurídica; que fiscalize todo e qualquer concurso da área jurídica, federal, estadual ou municipal (embora ninguém se atreva a fiscalizar o seu exame de ordem); que assine Convênios com Estados e Municípios, para a prestação de assistência judiciária aos pobres, dando assim emprego a 40.000 advogados, por exemplo, apenas em São Paulo; e que agora indique, até mesmo, dois advogados, para cada um dos “Conselhos” que vão fiscalizar o Judiciário e o Ministério Público, criados pela Emenda Constitucional nº 45/2004, embora não admita, em relação a si mesma, o simples controle administrativo do Tribunal de Contas da União!

Embora “não faça parte da administração pública”, no entendimento do Acórdão, é evidente que a Ordem dos Advogados do Brasil desempenha importantes atribuições, na organização e no funcionamento do Estado brasileiro e também se observa que ela consegue obter, freqüentemente, dos Poderes Constituídos, regalias, ou privilégios, indevidos, ilegais ou inconstitucionais, utilizando os seus enormes poderes, e a sua influência, para a consecução de determinados objetivos, de seus dirigentes, ou simplesmente corporativos, por eles confundidos com “interesses da OAB”. Enquanto isso, o desempenho de sua missão constitucional e o interesse público podem ficar relegados, às vezes, a um segundo plano. E o exemplo frutifica, porque os outros Conselhos Profissionais obtiveram agora, do Congresso Nacional e do Presidente da República, com a Lei nº 11.000/2004, a licença para fixarem as suas próprias anuidades, taxas, diárias, “jetons”, etc.



OS CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL

Mas a questão específica da Ordem dos Advogados do Brasil será deixada de lado, no momento, porque o que nos interessa é a comprovação da inconstitucionalidade da Lei nº 11.000/2004, que pretendeu estender a todos os Conselhos de fiscalização profissional a inteira liberdade para a fixação de suas anuidades e taxas, além das diárias, “jetons” e auxílios de representação, à semelhança do que já vem ocorrendo, de maneira inconstitucional, com as anuidades e taxas da OAB, com base nas disposições dos já citados arts. 46 e 58, IX, de seu Estatuto, e de acordo com as normas dos Regimentos internos de suas Seccionais.

De acordo com Valle Pereira, as autarquias corporativas “são criadas para desempenhar atividades típicas da administração pública, as quais não podem ser trespassadas para pessoas jurídicas de direito privado”. Diz ele, então, que:

“Não há dúvida de que os conselhos de fiscalização profissional exercem atividade de polícia administrativa por outorga do Estado. Por outro lado, e isso é extremamente importante também, em razão de sua natureza, por representarem a mais clara expressão do poder estatal, as atividades de polícia não podem ser delegadas a particulares, mesmo porque, como reconhece a doutrina, gozam elas de coercibilidade e auto-executoriedade, atributos que são desconhecidos, como regra, nas relações de direito privado.” (VALLE PEREIRA, Ricardo Teixeira do. Natureza Jurídica dos Conselhos de Fiscalização do Exercício Profissional, in Conselhos de Fiscalização Profissional. Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 57).

Os Conselhos de fiscalização profissional, criados por lei, são portanto autarquias, que recebem do Estado a incumbência de fiscalizar o exercício das profissões liberais regulamentadas, porque compete à União, nos termos do art. 21 da Constituição Federal, “organizar, manter e executar a inspeção do trabalho” (inciso XXIV). Assim, esses conselhos exercem atividades típicas de Estado, possuem o poder de polícia, estão (ou deveriam estar) autorizados, por lei (do Congresso Nacional, evidentemente), a nos obrigar ao pagamento dessas taxas e contribuições, a nos aplicar sanções, e a nos proibir de exercer a nossa profissão. Essas prerrogativas, portanto, lhes são conferidas pelo Estado, através de lei (pela União, através de lei federal). Ou, pelo menos, assim deveria ser, porque agora se pretende transferir, através da Lei nº 11.000/2004, aos Conselhos das profissões regulamentadas, a competência legiferante, que pertence à União (Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República), e que é indelegável, conforme será explicitado a seguir.


NATUREZA JURÍDICA DAS ANUIDADES E TAXAS

A competência tributária é o poder, que pertence ao Estado, de criar os tributos, para fazer face às suas necessidades. Esse poder, que é juridicamente limitado, pela Constituição e pelas leis, e que no Brasil pertence à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, de acordo com a partilha prevista na Constituição Federal, consiste na determinação da incidência, da base de cálculo, da alíquota, do sujeito passivo da obrigação, das formas de lançamento e de cobrança, arrecadação e fiscalização.

Portanto, ninguém será obrigado a pagar um tributo, (1) se ele não for criado por um ente público competente, ou seja, por uma das pessoas jurídicas de direito público interno: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, (2) através de lei ordinária (em certos casos, a Constituição exige lei complementar) (3) e se essa lei não for regular, ou seja, se ela não estiver de acordo com os rígidos princípios constitucionais tributários.

O artigo 149 da Constituição Federal prevê, expressamente, que “Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo”.

De acordo com Luiza Gamba, as anuidades e taxas cobradas pelos Conselhos de fiscalização têm natureza jurídica tributária, sendo evidente que:

“...o regime jurídico que lhes é aplicável é o regime jurídico tributário, e, mais especificamente, o regime jurídico aplicável às contribuições especiais e às taxas, respectivamente. Ambas devem observar, pois, a atribuição constitucional de competência tributária, bem como os princípios constitucionais tributários, além de estarem sujeitas às normas gerais de direito tributário estabelecidas no Código Tributário Nacional, recepcionado como lei complementar à Constituição nos termos do art. 146, III, da CF.” (GAMBA, Luiza Hickel. Natureza Jurídica das Receitas dos Conselhos de Fiscalização Profissional, in Conselhos de Fiscalização Profissional, op. cit., p. 137).

Evidentemente, as anuidades pagas pelos profissionais liberais aos seus Órgãos de classe são “contribuições de interesse das categorias profissionais”, e devem, assim, “observar o disposto no art. 150, I e III” da Constituição Federal, conforme dito no art. 149, acima transcrito, ou seja, somente poderão ser “exigidas ou aumentadas através de lei” (inciso I do art. 150) e deverão respeitar as diversas limitações ao poder de tributar, constitucionalmente previstas (inciso III do art. 150). Além disso, as normas gerais em matéria de legislação tributária deverão ser estabelecidas através de lei complementar (art. 146, III). Ou seja, através do Código Tributário Nacional, originariamente uma Lei ordinária, editada sob a vigência da Constituição Federal de 1.946, mas recepcionada pela Constituição Federal de 1.988.

Da mesma forma, as diversas taxas, devidas aos Conselhos de fiscalização profissional, também deverão ser instituídas através de lei federal, nos termos do art. 145, II, da Constituição Federal, porque compete, conforme já foi dito, à União, organizar, manter e executar a inspeção do trabalho (Constituição Federal, art. 21, XXIV). Ressalte-se que instituir significa, entre outras coisas, fixar o valor do tributo, e não apenas dizer que ele deverá ser pago pelos profissionais liberais, ao seu Órgão de classe, ou tentar transferir aos Conselhos Profissionais a competência para fixar o valor das anuidades e taxas, como fizeram o Congresso Nacional e o Presidente da República, com a Lei nº 11.000/2004.

Assim, aos tributos definidos pelo Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66), os impostos (art. 16), as taxas (art. 77) e as contribuições de melhoria (art. 81), a Constituição de 1988 acrescentou os empréstimos compulsórios e as contribuições parafiscais, que podem ser classificadas em três tipos: as contribuições sociais, as contribuições de intervenção no domínio econômico e as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas.

As anuidades e as taxas devidas aos Conselhos de fiscalização profissional são, portanto, contribuições parafiscais do terceiro tipo, isto é, contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, e estão sujeitas aos princípios constitucionais tributários, conforme já explicitado acima, a respeito do art. 149 da Constituição Federal, somente podendo ser exigidas ou aumentadas através de lei federal, etc.

Para Roque Carrazza, também não há nenhuma dúvida de que as contribuições de interesse das categorias profissionais têm natureza tributária:

“As contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas (contribuições corporativas), destinam-se a custear entidades (pessoas jurídicas de direito público ou privado) que têm por escopo fiscalizar e regular o exercício de determinadas atividades profissionais ou econômicas, bem como representar, coletiva ou individualmente, categorias profissionais, defendendo seus interesses. Enquadram-se nesta categoria as contribuições arrecadadas, de seus filiados, pelos sindicatos, as contribuições que os advogados e os estagiários pagam à Ordem dos Advogados do Brasil, as contribuições que os médicos pagam ao Conselho Regional de Medicina, etc. Tais contribuições também são tributos (revestindo, no caso dos conselhos profissionais, a natureza de taxa de polícia), devendo, destarte, ser instituídas ou aumentadas por meio de lei ordinária, sempre obedecido o regime jurídico tributário.”(CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2003, p. 534). (grifamos)

Arrecadando esses tributos, e no desempenho do seu poder de polícia, (art. 78 do Código Tributário Nacional) os Conselhos Profissionais deverão executar as suas funções - que lhes foram legalmente transferidas -, estritamente no interesse público, e não apenas de acordo com os interesses de seus dirigentes, ou com os seus interesses corporativos. Aos Conselhos, cabe apenas a arrecadação desses tributos, mas não a sua fixação, a sua majoração e nem mesmo a concessão de descontos especiais para os inadimplentes, como costuma ser feito por alguns Conselhos, para “reduzir a inadimplência”. O princípio da estrita legalidade, aplicável em matéria tributária, torna impossível a utilização das resoluções, dos conselhos federais ou dos conselhos regionais, também, para essa finalidade.

Ouçamos, a seguir, a explicação de Sacha Calmon, a respeito da tributação e da parafiscalidade, ou seja, da forma pela qual os Conselhos Profissionais podem ser autorizados a arrecadar as anuidades e taxas, indispensáveis ao desempenho de suas atribuições legais:

“Por outro lado, a essência jurídica do tributo é ser prestação pecuniária compulsória, em favor do Estado ou de pessoa por este indicada (parafiscalidade), que não constitua sanção de ato ilícito (não seja multa), instituída em lei (não decorrente de contrato). Intuitivo, também, que prestação pecuniária no caso do tributo não é feita para indenizar (recompor) nem para garantir (depósitos, fianças, cauções) admitindo cobrança administrativa. Sendo tal, a prestação pecuniária será tributo e estará, no Brasil, sob a disciplina dos princípios jurídico-tributários insertos na Constituição e nas leis de normas complementares.” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: Sistema Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1990)

Essa é, também, a interpretação unânime do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 225.301, julgado em 07.10.1999:

“TRIBUTÁRIO - CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - ANUIDADE DEVIDA A CONSELHO REGIONAL DE FISCALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS - NATUREZA - FIXAÇÃO - EXIGÊNCIA DE LEI. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais. A anuidade devida aos Conselhos Regionais que fiscalizam as categorias profissionais tem natureza de contribuição social e só pode ser fixada por lei. Recurso improvido.”

INDELEGABILIDADE DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

A matéria referente à delegação da competência tributária está disciplinada no art. 7º do Código Tributário Nacional:

“Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.
§ 1º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir.
§ 2º A atribuição pode ser revogada, a qualquer tempo, por ato unilateral da pessoa jurídica de direito público que a tenha conferido.
§ 3º Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos.”


O “caput” do art. 7º estabelece, inicialmente, a absoluta indelegabilidade da competência tributária, ou seja, da competência que a Constituição atribuiu a cada um dos entes tributantes: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Cada um deles deverá instituir, através de lei, os seus tributos, com a determinação de sua incidência, do sujeito passivo, da base de cálculo e das alíquotas, etc. Poderão ser delegadas, porém, as funções de arrecadação, fiscalização ou execução de leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, a outra pessoa de direito público, da administração direta ou indireta, conforme a previsão constante também do “caput” do art. 7º. Existe ainda uma previsão, no § 3º do art. 7º, referente apenas à função de arrecadação dos tributos, que pode ser atribuída, esta sim, a uma pessoa jurídica de direito privado, como um estabelecimento bancário ou uma casa lotérica.

Deve-se ressaltar, ainda, que não se pode confundir a competência tributária plena, que é indelegável, com a capacidade ativa, que é delegável. Essa delegação, da capacidade ativa, ocorre, evidentemente, no momento em que a União, através de uma lei, delega aos Conselhos de Fiscalização Profissional as funções de fiscalizar o exercício da profissão e de arrecadar as taxas e anuidades (que já deveriam estar fixadas em lei, conforme já foi dito). Por essa razão, um Conselho Regional de Medicina, por exemplo, terá a capacidade ativa, isto é, poderá figurar no pólo ativo da uma relação jurídica. Em uma ação de execução fiscal, por exemplo, para a cobrança de débitos referentes às suas anuidades.

Portanto, somente a União poderia, através de lei, fixar as anuidades e as taxas dos médicos, dos engenheiros, dos advogados, dos economistas e de tantos outros profissionais liberais, embora a competência para a sua arrecadação e fiscalização seja delegada às autarquias corporativas correspondentes. Não é possível que esses tributos sejam instituídos através de resoluções, como já vem ocorrendo. Não é possível, também, que sejam concedidos descontos, através de resoluções, conforme já foi dito.

A respeito da indelegabilidade da competência tributária, afirma Roque Carrazza:

“As competências tributárias são indelegáveis. Cada pessoa política recebeu da Constituição a sua, mas não a pode renunciar, nem delegar a terceiros. É livre, até, para deixar de exercitá-la; não lhe é dado, porém, permitir, mesmo que por meio de lei, que terceira pessoa a encampe. Lembramos que quando o Texto Magno outorga uma competência, visa a promover um interesse público, que só se considera atingível por intermédio da atuação do titular escolhido (pessoa, órgão, autoridade, etc.). (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, op. cit., p. 578).

Observa-se, ainda, mais uma vez, que nenhum desses Conselhos Profissionais poderia ter natureza privada - nem mesmo a OAB -, porque uma entidade privada não poderia receber a delegação da competência para a arrecadação e fiscalização desses tributos, nem para o exercício do poder de polícia. O Congresso Nacional bem que tentou dizer, através da Lei nº 9.649/98, aprovada no Governo Fernando Henrique, para “resolver” os problemas que vinham sendo causados, por inúmeras decisões judiciais, às autarquias corporativas, que essas autarquias são entidades privadas, mas o Supremo Tribunal Federal, conforme já referido, julgou inconstitucionais essas normas, reafirmando a natureza autárquica dessas entidades.

O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre a questão, quando julgou, em 01.07.1992, o Recurso Extraordinário nº 138.284/CE, dizendo que as contribuições parafiscais possuem natureza tributária e estão sujeitas ao princípio da anterioridade, bem como a todos os outros princípios e normas gerais do Direito Tributário. Ouçamos as palavras do relator, Min. Carlos Velloso:

“As contribuições de intervenção no domínio econômico (art.149), como as contribuições do IAA, e do IBC, estão sujeitas ao princípio da anterioridade. As corporativas (art. 149), cobradas, por exemplo, pela OAB, pelos Conselhos de Fiscalização de profissões liberais e pelos sindicatos (contribuição sindical) estão sujeitas, também, ao princípio da anterioridade.”

A QUESTÃO DAS DIÁRIAS, JETONS E AUXÍLIOS DE REPRESENTAÇÃO

Mas além da inconstitucional delegação da competência tributária, a Lei nº 11.000/2004 também “transferiu” aos Conselhos Federais das profissões regulamentadas a competência para a fixação dos valores máximos das diárias, dos “jetons” e dos auxílios de representação, que deverão ser pagos a seus conselheiros. Vejamos:

No art. 5º da Lei nº 3.268/57, foi incluída, pelo art. 1º da Lei nº 11.000/2004, como atribuição do Conselho Federal de Medicina, “normatizar a concessão de diárias, jetons e auxílio de representação, fixando o valor máximo para todos os Conselhos Regionais.”(alínea “l”)

Depois, o § 3º do art. 2º da Lei nº 11.000/2004 determinou que: “Os Conselhos de que trata o caput deste artigo (ou seja, todos os outros Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas) ficam autorizados a normatizar a concessão de diárias, jetons e auxílios de representação, fixando o valor máximo para todos os Conselhos Regionais.”

É evidente que, da mesma forma como não pode ser transferido às autarquias corporativas o poder de tributar, que no caso pertence à União e tem como instrumento formalizador a lei ordinária, também não lhes pode ser atribuída a competência para livremente distribuírem diárias e outras benesses a seus dirigentes, através de suas resoluções internas. Deve existir, é claro, uma regulamentação legal, e tanto isso é verdade que a Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias (grifamos) e das fundações públicas federais, se preocupou em normatizar a matéria referente à concessão de diárias, em seus artigos 58 e 59 (já alterados pela Lei nº 9.527, de 10.12.97).

Os Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autarquias, ou seja, são entidades da administração pública indireta, que gozam de autonomia, mas se submetem, integralmente, no desempenho de suas atividades, ao regime de direito público, o que significa que são todas obrigadas a respeitar os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, enumerados no “caput” do art. 37 da Constituição Federal, bem como as normas, limites e exigências constantes dos 22 incisos e 10 parágrafos desse mesmo artigo.

Por essa razão, e apenas a título de exemplo, deve ser dito que os servidores desses Conselhos estão sujeitos à exigência constitucional do concurso público, o que, aliás, não vem sendo obedecido por alguns desses Conselhos, o que já ensejou a propositura de diversas ações civis públicas, pelo Ministério Público Federal, no Ceará, no Acre, na Paraíba e no Mato Grosso.

Especificamente em relação à Ordem dos Advogados do Brasil, tramita no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, de 16.10.2003, proposta pelo Procurador-Geral da República (ADI nº 3026-4 = relator Min. Eros Grau), na qual é questionada a constitucionalidade do parágrafo 1º do art. 79 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, que determina: “Aos servidores da OAB, sujeitos ao regime da Lei nº 8112, de 11 de dezembro de 1990, é concedido o direito de opção pelo regime trabalhista, no prazo de noventa dias a partir da vigência desta lei, sendo assegurado aos optantes o pagamento de indenização, quando da aposentadoria, correspondente a cinco vezes o valor da última remuneração”. Nessa ADI, o Procurador-Geral da República pede que seja dada ao “caput” do art. 79 do Estatuto da OAB uma interpretação conforme à Constituição, “de modo que fique explícito que os servidores da OAB, mesmo que contratados sob o regime trabalhista, devem ser submetidos, para a admissão, a prévio concurso público”.

Os Conselheiros, que dirigem as autarquias corporativas, são investidos através de eleições periódicas, mas isso não os dispensa do respeito à Constituição e às leis. As Autarquias corporativas devem ser fiscalizadas, para que haja uma garantia de que elas desempenharão corretamente as suas atribuições, e de que elas utilizarão corretamente o dinheiro arrecadado com as suas anuidades e taxas. Do contrário, elas se transformarão, todas, em super-poderes, livres de qualquer controle estatal, como acontece com a Ordem dos Advogados do Brasil.

A receita das Autarquias corporativas não integra o orçamento da União, é verdade, mas isso não significa dizer, como alguns dirigentes da OAB, que “as nossas anuidades são dinheiro dos advogados”. As anuidades e taxas devem ser arrecadadas de acordo com a previsão legal e devem ser gastas, também, de acordo com a previsão legal, em benefício das atividades atribuídas, pela Constituição e pelas leis, às Autarquias corporativas. Não é possível supor que esse dinheiro poderia ser gasto em outras atividades, estranhas ao interesse público. Como, por exemplo, com as sedes campestres, com os Clubes dos Advogados, Médicos, Engenheiros, etc., com as viagens de lazer ou com a aposentadoria dos profissionais liberais a elas filiados.

Diga-se, aliás, que qualquer jurisdicionado - e não, apenas, o profissional liberal filiado a uma dessas Autarquias -, tem o direito público subjetivo de exigirr que cada uma delas desempenhe corretamente as suas atribuições, fiscalizando o exercício profissional, porque se uma dessas Autarquias se desviar de seus reais objetivos, sérias conseqüências poderão atingir aqueles que necessitarem dos serviços profissionais de um médico, de um advogado, de um engenheiro, etc.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

São inconstitucionais os dispositivos da Lei nº 11.000/2004 que “transferem” a competência legiferante do Congresso Nacional ao Conselho Federal de Medicina (art. 1º) e aos Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas (art. 2º).

Também são inconstitucionais os dispositivos da Lei nº 11.000/2004 que “transferem” ao Conselho Federal de Medicina (art. 1º) e aos demais Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas (art. 2º) a competência para normatizar a concessão de diárias, jetons e auxílios de representação, fixando o valor máximo para todos os Conselhos Regionais.

A Constituição Federal, ao estabelecer o princípio da legalidade (art. 5º, II), visa combater o poder arbitrário do Estado, garantindo também ao jurisdicionado-contribuinte que ele não será obrigado a pagar nenhum tributo que não tenha sido instituído através de lei, aprovada pelos seus representantes, nas esferas federal, estadual e municipal.

Se o Estado não pode exigir o pagamento de um tributo sem a previsão legal, muito menos as Autarquias corporativas, que agem por delegação do Estado, poderiam fazê-lo, através de suas resoluções.

São também inconstitucionais os dispositivos do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, já citados (arts. 46 e 58, IX), que também “transferem” aos Conselhos da OAB a competência legiferante da União, bem como o art. 78, desse Estatuto, que “transfere” ao Conselho Federal da OAB o poder regulamentar do Presidente da República.

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