segunda-feira, 17 de março de 2008

As maravilhas do poder

por Ipojuca Pontes em 12 de fevereiro de 2008
Resumo: Por que um sujeito totalmente desvinculado da realidade, incensado por todos, que atravessa limpo os maiores mares de lama, vai largar uma mamata das proporções que é propiciada pelo Estado brasileiro? Por respeito à Constituição já tantas vezes violentada?
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“Dê aos socialistas o gosto pelo poder e eles, como cães robustos, não mais largarão o osso”
H. L. Mencken, jornalista norte-americano (1880-1956)


O autor da epígrafe está coberto de razão. Uma vez no poder, o político (ou o partido) de vocação totalitária jamais pensará na sua alternância. Para mantê-lo eterno, os dois, partido e político, farão qualquer negócio: mentirão, trapacearão, partirão para a violência e, caso necessário, concederão até mesmo um naco de poder ao adversário político enquanto não encontrarem o momento certo de esmagá-lo. Não tem papo. Basta examinar a “práxis” maquiavélica de Lênin e do seu matricial partido bolchevique.

E por que isso? Bem, há dúzias de teorias que tentam explicar o fenômeno. Para conservar (ou conquistar) o poder, os partidos, grupos ou indivíduos apelam para a invenção das mais fantásticas pirotecnias intelectuais. Desde as verdades irrecorríveis do determinismo histórico, passando pelas leis do darwinismo social e, até, da sua emanação divina. O imperador japonês Hiroito, por exemplo, mencionava o caráter divino do seu posto, segundo a crença secular, tangenciado pela luz incandescente do “quarto raio do sol”.

Modernamente, justifica-se a perpetuação do partido totalitário no poder em nome do seu “compromisso histórico” com a promoção de reformas (sociais) sem as quais seria impossível se estabelecer o paraíso sobre a face da terra. “Não haverá salvação para a humanidade se ela não atravessar o corredor do socialismo” – asseguram os interessados. Mas, leguleios à parte, o motivo pelo qual o partido totalitário e asseclas lutam encarniçadamente pela sua perpetuação comporta visão bem mais prosaica e realista, que é a seguinte: o partido totalitário quer se perpetuar no poder porque o poder é, antes de tudo, o Privilégio Colossal. Seguramente, a máquina do poder legalmente estabelecida é a mais perfeita e diabólica engrenagem que o ser humano construiu para viver como um nababo em cima da exploração dos seus semelhantes.

Pensem bem: o sujeito, em cima de promessas alvissareiras e de um programa utópico de governo, se elege presidente da República. Ato contínuo nomeia para cargos públicos à sua disposição os companheiros de partido, aliados ideológicos, simpatizantes, amigos, familiares, aspones, puxa-sacos e apaniguados de toda espécie. Em seguida, compra avião de luxo, se atribui gratificações pagas em dólar, viaja pelo mundo, tem centenas de serviçais e seguranças para servi-lo a todo instante. No dia-a-dia, o eleito bebe vinho raro (Romanée-Conti, R$ 11 mil a garrafa), uísque importado, come do bom e do melhor (“picanha argentina” e “carne de coelho” amaciada, segundo mostra o site Transparência, gerido pela Controladoria-Geral da União). Para manter a boa imagem, depois de dormir envolto em lençóis de fio egípcio, ele calça sapatos finos, veste roupas bem talhadas (um terno por dia), etc. – todo esse mundo faraônico de privilégios sem sacar um tostão do considerável salário que recebe sem produzir coisa alguma, a não ser discurso e conversa mole.

Mais ainda: para impressionar a tribo atordoada de tanto pagar impostos, o sujeito arma um aparato de propaganda inexcedível, com direito a criação de uma rede de TV Pública. Em paralelo, são distribuídas verbas em cascata com recursos provenientes dos bancos e empresas estatais, destinadas a promover a imagem generosa do Pai dos Pobres. Então, se deslancha a cantilena programada para repercutir, dia e noite, em todos os espaços e veículos de comunicação, a saber: rádios, jornais, revistas, sites, cadeias de televisão, parlatórios, outdoors, mensagens telefônicas e, até, nos enredos das escolas de samba. A imagem que se vende, em tais espaços, é a de que estaremos todos salvos sob a proteção do Líder Máximo!

Agora me digam: por que o sujeito vai largar uma boca-rica de tais proporções, tão rica quanto esplendorosa, quando tem todo o cacife do mundo para permanecer no posto paradisíaco? Por temor do que vai pensar a opinião pública? Por medo das Cartas dos leitores publicadas nos jornais “burgueses”? Por respeito à Constituição já tantas vezes violentada? Ou, então, o que parece mais idiota ainda, por temer as CPIs articuladas pela oposição invejosa? Ora, faça-me o favor!

Fidel Castro, há meio século no poder, tendo à disposição dezenas de mansões luxuosas, entre as quais a do impenetrável Punto Cero, mesmo em estado pré-agônico, comete qualquer brutalidade para não “largar o osso” do poder. E, com efeito, como criticar o velho ditador? Sejamos francos: depois de tantos anos vestindo pijamas de seda, tomando “Vega Cicilio Unico” (US$ 8 mil, a garrafa), comendo queijos importados e lagostas selecionadas, voltar aos infectos apartamentos de Havana Vieja seria simplesmente uma hipótese absurda.
De fato, desde o horror expansionista do mongol Gêngis-Khan, a saquear com suas “Hordas de Ouro” (estabelecidas na Rússia e na China) grande parte do mundo, nunca se viu tirano algum largar por livre vontade as maravilhas do poder. Mao Tse-tung, o líder da revolução chinesa tido como um genocida histórico, morreu aos 83 anos sem arredar pé dos palácios suntuosos de Pequim, nos quais dormia em coxins acompanhado por dúzias de virgens impúberes. E o Camarada Stalin, com requintes de sádico, acrescentou às noitadas orgíacas no interior do Krenlim o prazer mórbido de levar mulher e filho ao suicídio, torturar cineastas e eliminar centenas de “companheiros de viagem”, entre os quais o bem-amado Camarada Kirov.

Moral da história: não há quem segure a comilança dos cartões corporativos em Brasília.

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