sábado, 22 de março de 2008

Desarmamento: evitando uma carnificina e um genocídio

Desarmamento: evitando uma carnificina e um genocídio

por Peter Hof em 10 de junho de 2005
Resumo: As raízes da violência no Brasil são bem conhecidas do povo brasileiro, mas não pelas Organizações Globo, Movimento Viva Rio e Instituto Sou da Paz.
© 2005 MidiaSemMascara.org

As Organizações Globo e algumas ONGs, como o Movimento Viva Rio e o Instituto Sou da Paz têm feito, nos últimos anos, um enorme barulho em torno das armas de fogo. A acusação é a mesma de sempre: que armas são um perigo e um problema e não o último recurso que o cidadão de bem tem para a própria defesa, de sua família e de seu patrimônio. Qual arautos do apocalipse, esse pessoal trombeteia sobre a suposta carnificina que as armas em mãos de cidadãos de bem têm provocado. Tudo não passa de uma enorme farsa armada com o patrocínio e o estímulo da maior rede de comunicações deste país.
Enquanto os arautos do desarmamento gastam tempo e dinheiro (generosamente doado pelos governos do Brasil e da Inglaterra), o povo brasileiro convive com uma carnificina e um genocídio capazes de envergonhar qualquer nação com um mínimo de pretensão à civilidade.
Vamos examinar estas duas nódoas que envergonham o cidadão brasileiro.
A CARNIFICINA
Em entrevista ao caderno de automóveis de O Globo de 19/1/05, Ailton Brasiliense, diretor do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), informa que no Brasil morrem 100 pessoas por dia vítimas de acidentes de trânsito. Além dos mortos, mil cidadãos são feridos por dia, alguns ficando permanentemente incapacitados e outros ficam com seqüelas pelo resto de suas vidas. Ainda segundo o diretor do DENATRAN, só com vítimas de acidentes urbanos são gastos cinco bilhões de reais por ano.
Cruzando-se o número de mortes ocorridas por ano resultantes do uso de armas de fogo (36.000), número esse amplamente divulgado pelas ONGs e O Globo, com o percentual de mortes decorrente de ações de cidadão – que são 4,2% do total de mortes ou, em números absolutos, 1.512, conclui-se que esse número é igual ao de mortos em acidentes de trânsito em apenas em 15 dias.
Em outras palavras: os cidadãos armados com armas de fogo matam em um ano o que o trânsito mata em 15 dias!
A Revista Quatro Rodas, um nome respeitado por sua seriedade e conhecimento da questão do trânsito no país, em sua reportagem “Uma questão de segundos”, publicada na edição de julho de 2004 (pág. 82 a 87), faz um retrato pungente das vítimas de acidentes de trânsito.
Segundo o doutor Aloysio Campos da Paz Júnior, cirurgião-chefe da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, de Brasília, centro de referência internacional em ortopedia, as vítimas, na sua grande maioria, são jovens entre 18 e 30 anos. A reportagem ainda afirma que 96% dos acidentes é resultado de falha do motorista.
Nos Estados Unidos, onde morei por cinco anos, 60% dos acidentes com vítimas têm um motorista com menos de 24 anos envolvido. A situação chegou a tal ponto que as locadoras de carros não mais alugam veículos para menores de 24 anos, e o seguro obrigatório dos carros tem um prêmio bem mais elevado para veículos onde há, pelo menos, um motorista abaixo dessa idade.
Aqui no Brasil a situação não deve ser diferente; basta ver os pegas e rachas que ocorrem todos os finais de semana, alguns até programados e anunciados através da Internet. Mais detalhes no site www.spportcarbr.net/rachas_cuidados.htm.
Em 2004, apenas nas rodovias federais, 6.190 pessoas morreram e 64.127 ficaram feridas (Revista Quatro Rodas, fevereiro de 2005, pág. 84). Este número de mortos equivale a 4,1 vezes o número de mortos com armas de fogo por brigas em bares e no trânsito, bebedeiras, suicídios e crises conjugais.
Em seu artigo “Estamos preparados?” (O Globo, 4/1/2005, pág.7), Gláucio Ary Dillon Soares, professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) escreveu: “O trânsito, o maior assassino não natural no Brasil, de 1979 a 2001, matou um milhão e duzentas mil pessoas.”
E o que tem sido feito para se evitar essa carnificina e essa legião de mutilados causadas pela guerra do trânsito? Nada! Em 2003, o governo Lula investiu em estudos e políticas de prevenção de acidentes apenas 5.7% dos recursos oriundos do DPVAT (seguro obrigatório) e 30.9% das multas aplicadas. Segundo a Revista Quatro Rodas este resultado é um recorde negativo desde a implantação do novo Código Nacional de Trânsito em 1998 (Revista Quatro Rodas, Fevereiro de 2005, pág. 84).
Apenas como elemento de comparação, uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER), com o apoio do Movimento Viva Rio e de uma organização estrangeira chamada Small Arms Survey, o sistema público de saúde gastou, em 2002, entre 120 e 130 milhões de reais para tratar de feridos por armas de fogo (O Globo, 18/03/2005, pág. 12). Ou seja, a guerra do trânsito, com seus acidentes e fatalidades, custa 38.5 vezes mais do que o tratamento dos ferido por armas de fogo.
E é preciso lembrar, mais uma vez, um fato que os anti-armas insistem em não dizer: esse é o custo total dos feridos por armas de fogo. Isso significa que aí estão incluídas despesas que não podem ser evitadas, pois derivam de confrontos de policiais com criminosos, vítimas de assaltos e de todo o tipo de ação criminosa que não vai ser reduzido pela aplicação do Estatuto do Desarmamento e, muito menos pela ação de um Estado omisso.
E para coroar o descaso, a Folha de São Paulo 2/3/05 (pág. A6) informa que o Ministério dos Transportes sofreu um corte de verba da ordem de 2,7 bilhões de reais ou 39% de redução sobre o valor original aprovado do orçamento de investimento e custeio. Entre todos os ministérios esse é o maior de todos os cortes de verba no orçamento. A mesma Folha de São Paulo em 31/05/05 informa: “A gestão Lula congelou, nos dois primeiros anos, 80% dos recursos que recebeu de motoristas que pagaram multas e seguro obrigatório, deixando de usar R$ 313 milhões (sem considerar a inflação) que deveriam, por lei, ser investidos em educação e prevenção de acidentes. O governo petista diz que, em 2005, a retenção drástica das verbas continuará. A decisão visa acumular recursos em caixa para atingir as metas de superávit primário.”
Até hoje não vi nenhuma ONG fazendo um trabalho crítico sobre esta calamidade. Nada com pelo menos um décimo da ênfase que o Movimento Viva Rio e o Instituto Sou da Paz dão às 1.512 vítimas de armas de fogo ao ano.
Qual a razão para tal empenho e tal omissão? Eu tenho uma teoria:
O valor anual total investido em propaganda no Brasil é de 13 bilhões de Reais. Não é preciso ser nenhum gênio para perceber que a maior parcela é gasta pelas montadoras de automóveis e bancos. E que a TV Globo, como líder de audiência, canaliza a maior parte dessa verba. Para se ter uma idéia da quantidade de dinheiro que gastam esses clientes, o HSBC (ex-Bamerindus), sétimo lugar no ranking brasileiro de bancos, gastou em 2004 135 milhões de reais em marketing (O Globo, 27/03/05, pág. 32).
Imaginem as Organizações Globo e alguma ONG envolvidas em uma campanha para restringir a venda de bebidas e que concomitantemente propusesse o aumento da idade mínima de dirigir para 25 anos. Impossível? Em tese, não. Afinal o Estatuto do Desarmamento determina que só pode comprar armas quem tiver 25 anos completos. Mas no caso em questão é impossível, sim. Vamos ver qual seria a previsível reação dos prejudicados:
A indústria automobilística e suas correlatas (indústria de equipamentos de som, pneus e acessórios) têm nos jovens uma importante parcela de seus clientes. Jovens de classe média alta costumam receber de presente um carro ao passar no vestibular. Outros, recém formados, investem seus salários na compra de veículos. E são eles quem mais investem em modificações estéticas e equipamentos de som em seus carros. O chamado tuning é uma verdadeira mania entre os jovens. Outra fonte de receitas e lucros para as montadoras são os consórcios, que representam 17,1% das vendas de veículos, fazendo-os acessíveis a um grande contingente da população.
Intimamente ligados à indústria automobilística neste negócio estão os bancos: são eles que financiam as operações de venda de carros e, com as taxas de juro escorchantes, com que o governo os brinda, realizam fabulosos lucros. Além disso, hoje os bancos são também proprietários de seguradoras. Um carro pequeno, com dois anos de uso, paga uma média de R$ 1.500 por ano de seguro com uma alta franquia.
Por último, mas igualmente importante neste negócio bilionário, vem o governo (federal, estadual e municipal). Um carro pequeno, por exemplo, o GM Celta mais barato, custa R$ 21.670. Deste valor, 39,29% ou seja, R$ 8.514 vai para o governo sob a forma de impostos. Mas a mordida do governo não pára aí: tem a carteira de motorista, o emplacamento, o IPVA, as multas, o pedágio e a verdadeira galinha dos ovos de ouro: a gasolina. Sim, o imposto na gasolina é de 53,03% sobre seu preço na bomba. Cada vez que o jovem enche o tanque de seu Celta, o “sócio” embolsa R$ 59. Cada jovem que encher o tanque de seu carro duas vezes por mês estará entregando anualmente ao governo R$ 1.416 em impostos. Multiplique esta quantia pelos milhões de jovens que têm carro e o leitor verá a fabulosa quantia de dinheiro que eles entregam ao governo.
Vamos agora tentar imaginar a reação de duas das mais poderosas entidades do país: a FEBRABAN e a ANFAVEA, face a uma hipotética campanha das Organizações Globo e de uma ONG qualquer, querendo aumentar a idade mínima de dirigir para 25 anos. Nesta hora a CUT vai esquecer seus pruridos ideológicos e se aliará ao capitalismo espoliador na defesa de seus empregos. Minha aposta é que os dois (os três, melhor dizendo), vão fazer as contas de quanto estariam perdendo em vendas (e em empregos, no caso da CUT) e iriam ao Governo mostrar o tamanho do estrago.
O Ministro da Fazenda também já teria feito o cálculo da perda de receita e começaria a manobrar no Congresso para evitar que o projeto sequer fosse votado. A ANFAVEA e a FEBRABAN chamariam as Organizações Globo para uma conversa, mostrar-lhes-iam quanto gastam em publicidade, e sugeririam que parassem com a brincadeira. As Organizações Globo, se fossem tolas o suficiente para se meter em tal aventura, iriam deixar de lado o fervor cívico de que estivessem imbuídas, abandonariam imediatamente a campanha.
Agora vejam o que aconteceu com os fabricantes de armas. Quanto eles investem em publicidade no Brasil? Algo muito próximo de zero, já que existe apenas uma revista especializada em armaria no Brasil. Leitor,folheie a revista Magnum e conte quantos anúncios de fabricantes de armas existem. Sabe quantos? Nenhum! Creio ser caso único no mundo: uma revista sobre armas que não tem anúncios de fabricantes de armas!
Ademais, nenhuma das três fábricas de armas (quatro, incluindo a CBC) pertence a multinacionais. Há muitos anos que a maioria de suas vendas são feitas no exterior. Elas não têm nenhum instrumento de pressão. Existe algum alvo mais fácil de atacar? E essa gente ainda tem o descaramento de falar em lobby da armaria...
O GENOCÍDIO
Agora que falamos da carnificina vamos ver o que se passa no terreno do genocídio. Segundo o Almanaque Abril de 2004, pág. 102, morrem no Brasil, antes de completar um ano de vida, 28,3 crianças em cada 1.000 nascidas com vida. Tal situação nos coloca na honrosa companhia do Azerbaidjão (29,3), Cabo Verde (29,7), Vanuatu (28.5), e distantes de nossos próprios vizinhos: Argentina (20,0), Chile (11,6) e Venezuela (18,9). Traduzindo-se isso em inocentes vidas ceifadas, 63.000 crianças morrem anualmente neste país antes de completar um ano de idade, 74% a mais do que as mortes por armas de fogo e 42 vezes mais do que as mortes que supostamente a Campanha do Desarmamento tem como objetivo evitar.
Isto na média brasileira. Se formos para a Região Nordeste, terra do Presidente da República, do Presidente da Câmara, do Presidente do Senado e do Ministro da Saúde, o número é de envergonhar qualquer país que se considere minimamente civilizado: 44.2 crianças a cada 100 mil nascidas morrem antes de completar o primeiro ano de vida. A região do companheiro Presidente desfruta, em termos de morticínio infantil, da humilhante companhia da Argélia (43,9), Coréia do Norte (41,1), Egito (40,6), Equador (41,5), Guatemala (41,2), Indonésia (41,6) e Turquia (39,5).
Quantificando a tragédia isto significa que 28.300 nordestinos morrem antes de completar seu primeiro ano de vida. Herodes não faria melhor... Se o Governo se empenhasse em reduzir o número para os mesmo índices que a Região Sudeste (20.6 por 1.000 nascidos), estaríamos salvando a vida de 15.100 brasileiros, ou seja, 10 vezes mais vidas do que as que o Movimento Viva Rio, Ministério da Justiça e Organizações Globo pretendem salvar com a nefasta Campanha do Desarmamento.
Ironicamente, um dos entusiastas pelo programa do desarmamento é o Ministro da Saúde, Humberto Costa, criado e com base política em Pernambuco. Gente interessante os políticos brasileiros não é mesmo? Ficam se metendo em assuntos que não são de sua alçada enquanto sua pasta, por omissão ou ineficiência, é uma fábrica de matar crianças. Claro que a resposta do doutor Humberto será a batida arenga de que feridos a bala ocupam por mais dias leitos de hospital. Seria bom ele ter uma conversa com o doutor Aloysio Campos da Paz Junior para se inteirar da tragédia do trânsito e dos mais de R$ 5 bilhões ano que a guerra do trânsito custa. O doutor Campos da Paz trabalha lá mesmo em Brasília, não precisa gastar verba de passagem e hotel.
Aí estão apenas dois exemplos entre os muitos que ceifam vidas e desgraçam este país. Mas, por ironia, toda ênfase está concentrada em uma tarefa que qualquer pessoa de bom senso sabe que em nada vai contribuir para reduzir a criminalidade neste país, já que as raízes da violência no Brasil são outras e bem conhecidas do povo brasileiro. Menos é claro, das Organizações Globo, Movimento Viva Rio e Instituto Sou da Paz. Como dizia um grande amigo meu: isto é insensatez demais para ser apenas insensatez.
Fonte: http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=3747

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