sábado, 22 de agosto de 2009

Anuidade do Conselho de classe, (I)Legalidade Tributária

Nas múltiplas relações jurídicas um elemento não-jurídico é de extrema valia, o Pacto Psicológico. No que interessa, nessa oportunidade, o Pacto Psicológico encontra fundamento especialmente no dever da boa-fé, consagrado como princípio geral do direito, obrigando as partes implicadas na relação a sua observância.

Autor: Marcelo Henrique da Silva

Influi, assim, no comportamento das partes, nas suas expectativas, nas suas crenças tácitas, enfim, na boa-fé.


Não se pode negar que na relação entre o Profissional Habilitado e o seu Conselho de Classe, além da norma jurídica impositiva, no dever-ser, haja um Pacto Psicológico implícito, onde a boa-fé se reveste em algo muito maior que uma simples expectativa. Nesta relação de boa-fé, o Profissional Habilitado tem a expectativa de ser cobrado pela “anuidade” do Conselho de Classe “nos termos da LEI”.


Sua crença, tácita!


Nesse cenário, desafiando a interpretação do direito e diante da boa-fé implícita do Profissional Habilitado, é preciso analisar os fundamentos jurídicos que sustentam a incidência da contribuição de interesse das categorias profissionais, conhecida vulgarmente como “anuidade” do Conselho de Classe.


Paulo de Barros Carvalho, de forma contundente e sintética esclarece que o princípio da legalidade tributária, cravado na redação do art. 150, I, da CF/88, aponta para a necessidade impostergável de que o tributo seja criado ou majorado por LEI. Neste sentido o art. 97 do CTN prescreve que somente LEI pode instituir ou majorar tributos, observando que se equipara à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.


Confirmando, Hugo de Brito Machado observa que só mediante LEI são possíveis a criação e a majoração de tributo. Não mediante decreto, ou portaria, ou instrução normativa, ou qualquer ato normativo que não seja LEI, sem sentido próprio, restrito.


Nesse segmento, como consectário do princípio da legalidade tributária, condutor de relativa segurança jurídica, não há tributo (ou majoração deste) sem LEI.


Portanto, em obediência a esse princípio somente LEI pode criar ou majorar qualquer tributo do sistema nacional brasileiro.


Nossa Carta Cidadã, em seu art. 149, estabelece regras de competências para instituição de várias contribuições. Tratando das espécies de contribuições, Humberto Ávila leciona que o que as aproxima é a circunstância de servirem de instrumento para a promoção de finalidades. O que as diferencia são as finalidades específicas que cada uma delas deve promover e os requisitos constitucionalmente exigidos para sua instituição.


De acordo com o art. 149 da CF/88, compete exclusivamente à União instituir contribuições de interesse das categorias profissionais, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas.


No caso específico sob análise, temos que a União poderá instituir as “anuidades” dos Conselhos de Classes.


Assim, com base no comando constitucional a União poderá instituir (ou majorar), através de LEI, contribuição de interesse das categorias profissionais, desde que a finalidade-jurídica seja a atuação nas áreas respectivas.


No dizer de José Eduardo Soares de Melo, citando Roque Carrazza, relativamente às contribuições de interesse das categorias profissionais o objetivo imanente é custear entidades que têm por escopo fiscalizar e regular o exercício de determinadas atividades profissionais; enquadram-se nesta categoria as contribuições que os médicos pagam ao Conselho Regional de Medicina, os contadores pagam ao Conselho Regional de Contabilidade, etc.


Com base em tais considerações as “anuidades” dos Conselhos de Classes se constituem, verdadeiramente, em contribuição de interesse de categoria profissional, com fundamento constitucional do art. 149.


Fixada tal premissa, é necessário verificar se as contribuições de interesse das categorias profissionais, ou “anuidades”, possuem ou não natureza jurídica tributária.


Com efeito, esclarece Ricardo Conceição Leite que a natureza jurídica das contribuições mexeu com a doutrina, tornando-se um dos grandes embates ideológicos no campo fiscal. Seja como for, mesmo me filiando àqueles poucos que entendem que a natureza jurídica das contribuições é não-tributária, reconheço a sedimentação das decisões judiciais no sentido de considerar a natureza tributária das contribuições após o advento da atual Carta Magna. Portanto, faço minha as palavras de Ives Gandra da Silva Martins, “de minha parte, curvo-me perante a orientação jurisprudencial, reformulando minha concepção original e submetendo-me à interpretação do Guardião da constituição, que é o Supremo Tribunal Federal”.


Assim, conforme conclui Arthur Maria Ferreira Neto, as contribuições, de acordo com a natureza jurídica que lhes é ditada pela Constituição de 1988, são TRIBUTOS.


Estabelecido, a partir da Constituição Federal de 1.988, a natureza jurídico-tributária das contribuições de interesse das categorias profissionais, é imperioso afirmar que, em obediência ao princípio da legalidade tributária, esta somente poderá ser instituída ou majorada por LEI.


Portanto, somente LEI pode instituir ou majorar as “anuidades” dos Conselhos de Classe.


Por certo, em 1982, a Lei nº 6.994 determinou que o valor das anuidades devidas às entidades criadas por lei com atribuições de fiscalização do exercício de profissões liberais “será fixado pelo respectivo órgão federal”, sendo que na fixação deste valor para pessoa física será observado o limite máximo de “2 (duas) vezes o Maior Valor de Referência – MRV vigente no País”.


Há que se observar, por óbvio, que a norma citada acima foi editada sob a égide da Constituição de 1.967. Ou seja, os contornos institucionais das exações representavam as diretrizes constitucionais daquela carta, não se lhe aplicando, eventualmente, às regras atuais.


Portanto, não é permitido ao interprete concluir que uma norma positivada sob o manto da Constituição de 67 tenha sido integralmente recepcionada pela atual constituição, ou ainda, que seus contornos de instituição ou majoração não devam ser submetidos ao princípio da legalidade.


Já sob a vigência da Constituição de 1988, a Lei nº 9.648/98, art. 58, § 4º, prescreveu que os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas estavam autorizados a fixar as contribuições anuais. Entretanto, em respeito aos princípios constitucionais o STF – Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o dispositivo em questão (ADI nº 1717-6/DF).


A Lei nº 11.000/04, art. 2º, novamente, tentou enfrentar a Constituição ao repetir a redação do § 4º, art. 58 da Lei nº 9.648/98, julgada inconstitucional pelo STF. Em caminho idêntico à meia-irmã, a Lei nº 11.000/04 padece de inconstitucionalidade, como bem estabeleceu o TRF-5ª: “Reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 11.000/2004, pelo Pleno deste Tribunal, nos autos do Incidente de Argüição de Inconstitucionalidade n° 410826/PE (19/09/2007)”.


Como se vê, não obstante à recepção pela Constituição Federal de 1.988 das contribuições de interesse das categorias profissionais, ou “anuidades”, a majoração de seus valores está reservada à LEI.


É neste sentido o posicionamento pacífico do Poder Judiciário, onde, por exemplo, o STJ vem determinando que “as anuidades dos conselhos profissionais, à exceção da OAB, têm natureza tributária e, por isso, seus valores somente podem ser fixados nos limites estabelecidos em LEI, não podendo ser arbitrados por resolução e em valores além dos estabelecidos pela norma legal” (REsp nº 1.074.932).


No REsp nº 225.301/RS, o Ministro Garcia Vieira, do STJ, destaca que “compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesses das categorias profissionais (CF, art. 149), sendo vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (CF, art. 150, I). Assim, o recorrente só pode fixar o valor das anuidades nos limites estabelecidos em lei, porque elas decorrem da lei e não podem ser arbitradas por resolução e em valores além dos estabelecidos pela norma legal”.


Nesse ponto é imperioso destacar que, a partir da Carta Constitucional de 88, somente LEI pode majorar (aumentar) a “anuidade” dos Conselhos de Classe.


Entretanto, em que pese o Princípio da Legalidade e aquele Pacto Psicológico, é através de RESOLUÇÕES, ou ato administrativo semelhante, que os Conselhos de Classes majoram as “anuidades devidas” (sic) pelos Profissionais Habilitados.


Da análise da Lei nº 6.994/82, que como visto alhures estabeleceu o limite máximo das anuidades das entidades criadas por LEI com atribuições de fiscalização do exercício de profissões, e dos diversos planos econômicos brasileiros é possível obter que o valor legal máximo da “anuidade” devida aos Conselhos de Classes é de R$ 38,00 (2 x R$ 19,00). Repito: a anuidade, por LEI, é de R$ 38,00.


Enfim, as “anuidades” devidas aos Conselhos de Profissão Regulamentada são TRIBUTOS, e como tal regidos pelo princípio da legalidade, resultando ilegal qualquer norma administrativa (ex.: Resolução) que estabeleça valores acima daqueles previstos sistematicamente em LEI.


Isso tudo considerando a relação jurídica e a não-jurídica, o Pacto Psicológico.


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Contador Tributarista; Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; Especialista em Direito Empresarial pela UEL – Universidade Estadual de Londrina; Especialista em Contabilidade Gerencial e Societária pela UEL – Universidade Estadual de Londrina; Colunista Tributário da Revista Bem Estar; ex-Colunista Tributário do Jornal de Londrina; Professor de Planejamento Tributário na Pós-graduação da UNOPAR e UNIFIL; Professor na Pós-graduação de Direito Empresarial da BB&G Sociedade de Ensino Professor na Pós-graduação de Direito Tributário Municipal da PUC-Londrina Parecerista e Palestrante de Cursos e Palestras Palestrante do 13° Simpósio Estadual de Contabilidade FECEA/UNESPAR Palestrante do SESCAP-PR, SESCON-LDA e SESCOOP-PR Membro do Instituto de Contadores de Londrina Sócio-diretor da Business Contábil e Jurídico


Comentario - Não é culpa minha a existência da Carta Magna, e também não é culpa minha o Assessor Jurídico do CREMESP não entender a lei. Dura lex sed lex.

Um comentário:

Unknown disse...

Notícia velha. Os valores presisam ser atualizados: atualmente o CREMESP arrecada mais de 65 milhõe s de reais anualmente.